Introdução: este é o quinto artigo da série "Antes de Oppenheimer", que analisa os filmes de Nolan anteriores a Oppenheimer. No último artigo que publiquei, fiz uma longa análise da importância da trilogia "O Cavaleiro das Trevas" na carreira de Nolan como diretor. Neste artigo, vou me concentrar nos filmes em si, destacando os pontos positivos e negativos do trabalho de Nolan nessa trilogia.
Momentos marcantes
Vamos falar sobre alguns detalhes importantes dos filmes, que causaram um grande impacto em mim.
O primeiro deles está em Batman Begins, em que Alfred, o mordomo, gentilmente lembra Bruce de participar de atividades sociais para evitar suspeitas. Depois disso, Bruce dirige um carro luxuoso e chega a uma festa em grande estilo, acompanhado por uma linda mulher. No entanto, ele inesperadamente encontra sua amada Rachel no evento. Com hesitação, ele diz: "Este não sou eu de verdade.". Nesse momento, logo percebi que a versão de Bruce retratada por Nolan estava relutante em abraçar a identidade de um playboy rico, ao contrário das versões interpretadas por Keaton e Bale, que se sentiam à vontade em vários ambientes sociais. Até mesmo o Batman de Affleck declarou destemidamente: "Eu sou rico.". O Bruce de Nolan parecia estar desempenhando o papel de um herdeiro rico, enquanto Batman representava seu verdadeiro eu.
O segundo é a evolução do entendimento de Batman sobre si mesmo. Em Batman: O Cavaleiro das Trevas, há dois desenvolvimentos relevantes no personagem. No início do filme, ele diz a Alfred que a fraqueza de Batman é que ele não suporta ser odiado. No entanto, no clímax, o Coringa destrói seus ideais e Batman aceita que será odiado e perseguido. Então, ele decide suportar a dor de ser caçado se isso significa proteger os cidadãos de Gotham City. Para Batman, o bem maior da cidade supera sua própria reputação de herói.
O terceiro é a conversa em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge entre Alfred e Bruce, em que Alfred se prepara para ir embora. A primeira vez que assisti ao filme, fiquei intrigado: Batman se escondeu devido à sua fama, mas por que Bruce também escolheu se esconder? Foi só depois de assistir pela segunda vez que percebi que Rachel era o único motivo para que Bruce voltasse à vida normal. No entanto, essa mulher que ele amava profundamente não apenas morreu, mas também deu seu coração a Harvey Dent, que encurralou Bruce. O afastamento de Bruce não foi um ato passivo de autopreservação; foi uma escolha proativa que teve origem na desesperança em relação à própria vida.
A seguir, vou falar sobre duas cenas de tirar o fôlego que me deixaram em êxtase.
Sem dúvida, a cena mais impactante é o final de Batman: O Cavaleiro das Trevas. Não vou entrar em detalhes, porque esse filme está enraizado na memória de todos os espectadores. Batman, gravemente ferido, corre de maneira trágica enquanto manca. A trilha sonora de Hans Zimmer começa a tocar lentamente, e o Comissário Gordon, com a voz trêmula, diz: "Porque ele é o herói que Gotham merece, mas não o que ela precisa agora. Então, vamos achá-lo. Ele não é nosso herói. Ele é um guardião silencioso e um protetor vigilante. UM CAVALEIRO DAS TREVAS.".
Outra cena que se destaca é quando Batman emerge da escuridão do gelo em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
As habilidades de direção de Nolan são admiráveis. Primeiramente, ele envolve toda a escuridão da cidade de maneira visual, criando uma atmosfera de aflição. Além disso, à medida que a história se desenrola, ele extingue toda a esperança aos poucos. As forças especiais são mortas assim que entram em cena, e Gordon, que é líder da resistência, perde sua reputação e sua equipe de ataque organizada é capturada. A única esperança, Blake (Robin), também é pego enquanto tenta salvar a polícia. Todos os rebeldes são derrotados e parece que toda a cidade está sob o controle do inimigo.
Quem mais pode salvá-los? Somente o Batman.
Quando o Bat-sinal ilumina o céu de Gotham City, a esperança da cidade ressurge. Na minha opinião, a entrada de Batman nesse momento é mais inspiradora do que qualquer herói que chega voando pelo céu. Ele traz não apenas o poder de combate, mas também a fé e a esperança.
Personagens
Uma das habilidades impressionantes de Christopher Nolan está em sua capacidade de moldar uma infinidade de personagens, cada um com seus traços de personalidade únicos e independentes. Nos filmes do diretor, quase todos os personagens são mais do que apenas instrumentos; eles têm vários graus de impacto no amadurecimento e na transformação do protagonista principal.
Vamos começar com os antagonistas.
Em Batman: O Cavaleiro das Trevas, o Coringa, interpretado por Heath Ledger, se destaca como um personagem assombroso e inesquecível. O que o torna tão impressionante?
Em primeiro lugar, o completo desrespeito do Coringa pela moralidade convencional o diferencia dos outros. Ao contrário dos típicos vilões do cinema que são movidos pelo poder ou pela riqueza, o Coringa busca simplesmente o caos e a destruição. Ele não tem interesse no dinheiro ou na segurança pessoal, como evidenciado por sua vontade de explodir um hospital enquanto estava lá dentro. Essa visão de mundo niilista faz dele um adversário imprevisível e aterrorizante.
Além disso, a ambiguidade em torno do passado do Coringa aumenta seu mistério. Diferentemente da maioria dos vilões que recebem explicações detalhadas sobre sua natureza maligna, as origens do Coringa permanecem inexplicáveis. Ele conta diferentes histórias sobre suas cicatrizes, sempre deixando o público em dúvida sobre seus motivos e próximas ações.
Além disso, o visual do Coringa é memorável. A maquiagem borrada, o rosto cheio de cicatrizes e os icônicos cabelos verdes e lábios vermelhos transmitem instantaneamente sua loucura e imprevisibilidade. O terno roxo e a camisa laranja que não combinam, juntamente com a falta da gravata ou o colarinho abotoado, refletem ainda mais sua personalidade caótica e seu desrespeito pelas normas sociais.
O arsenal do Coringa, como faca, cartas de baralho e granadas, aumenta sua imprevisibilidade e representação do perigo. Sua máscara de palhaço e o caminhão pintado demonstram sua disposição de enganar os outros para atingir seus objetivos.
Embora os vilões dos outros dois filmes possam não estar à altura do nível de grandeza do Coringa, eles ainda tiveram sucesso quando comparados a muitos outros filmes de super-heróis. Em Batman Begins, o calculista e estratégico Ra's al Ghul deixou uma boa impressão, enquanto em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, a natureza brutal e violenta de Bane é profundamente memorável. A reviravolta de Talia al Ghul, a princípio, surpreendeu o público, mas ao assistir novamente, é possível notar que Nolan já havia dado muitas dicas sobre isso ao decorrer do filme.
Também vale lembrar do Duas-Caras, que é um personagem muitas vezes esquecido. Embora ele apareça como um verdadeiro vilão por apenas alguns minutos, sua transformação serve como um forte choque emocional para os espectadores. O símbolo da justiça, o Cavaleiro Branco, se entrega completamente para a escuridão, com uma aparência aterrorizante e crises interiores. Em certos aspectos, seu retrato está no mesmo nível dos vilões mencionados. Enquanto o Coringa massacra indiscriminadamente, e a Liga das Sombras quer destruir Gotham City, as motivações do Duas-Caras são mais compreensíveis. Suas ações provocam contemplação sobre a natureza do bem e do mal. A queda de Harvey é, até certo ponto, inevitável porque ele sempre se colocou acima dos outros. O orgulho dele superava a dedicação à justiça e o amor pela cidade. Quando o Coringa derruba Harvey de seu pedestal, ele perde por sua arrogância e busca vingança contra a sociedade.
Agora vamos falar sobre os personagens heroicos.
Quando se trata do aliado de confiança do Batman, não há dúvidas de que Alfred é o primeiro e único nome que vem à mente. É Alfred quem tira Bruce da desesperança, o ajuda a enfrentar o fracasso e a escuridão e atua como um escudo, permitindo que Batman lute sem preocupações. Alfred lembra Bruce de prestar atenção e encontrar consolo em uma vida normal. Em diferentes períodos, Alfred continua sendo o maior apoiador e guia de Bruce. No entanto, inicialmente fiquei intrigado com a saída de Alfred em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Por que Alfred deixaria Bruce quando ele mais precisava dele? Depois, percebi que poderia ser um gesto gentil do diretor, já que se não tivesse ido embora, Alfred poderia ter encontrado seu fim nas mãos de Talia ou Bane.
Em comparação a Alfred, Lucius Fox pode parecer um pouco unidimensional, mas ele ainda desempenha um papel significativo.
Outro personagem essencial é o Comissário Gordon. A atuação de Gary Oldman é louvável, porque ele interpreta com maestria o Comissário Gordon, que está muito longe do assassino enlouquecido de O Profissional. Gordon é justo e gentil, às vezes covarde diante do perigo, mas nunca desiste. De certa forma, ele é mais corajoso que o Batman porque declara guerra abertamente a todos os criminosos da cidade. Gordon e sua família estão constantemente expostos ao perigo, enquanto Bruce pode se refugiar em sua mansão durante o dia. Mais importante ainda, Gordon confia em Batman, mas nunca depende dele. Mesmo durante a ausência de oito anos de Batman, Gordon nunca parou de lutar.
Em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, apesar de estar sob o controle de Bane em uma Gotham City à beira da destruição, Gordon continua lutando. Comparado com os muitos personagens coadjuvantes de outros filmes que apenas esperam que o protagonista os salve, Gordon é sem dúvida um personagem independente. Quanto a Brian no terceiro filme, embora a atuação de Joseph Gordon-Levitt seja impressionante, sinto que ele é uma versão mais jovem de Gordon sem muitos traços distintos.
Agora vamos falar sobre algumas personagens femininas. A primeira delas será Rachel, que aparece ao longo da trilogia. Eu particularmente gostei da Rachel do primeiro filme. Ela tinha certa inocência e impulsividade, mas suas palavras e ações tiveram um impacto significativo em Bruce, fazendo-o questionar se vingança e meios violentos poderiam resolver os problemas. Isso influenciou muito sua resistência contra a Liga das Sombras. O beijo final entre os dois diante das ruínas é um dos poucos momentos de ternura em Batman Begins.
No entanto, no segundo filme, Batman: O Cavaleiro das Trevas, esse plano ideal é destruído. O esquema maligno do Coringa e a transformação de Harvey Dent em Duas-Caras levam Batman ao limite. Rachel, a mulher em quem Bruce deposita suas esperanças, se apaixona por outra pessoa. Quando Rachel morre, Bruce, ainda vestindo o traje do Batman, olha para Alfred com o coração partido e diz: "Mas Harvey não sabia.". Eu realmente senti a dor de Bruce. Ele deu tudo para Gotham City e seus cidadãos, mas ficou apenas com a angústia e a verdade devastadora.
Em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, a Mulher-Gato de Anne Hathaway faz uma chegada impressionante. No entanto, ela não é apenas um rostinho bonito; ela é ágil, inteligente e tem seu próprio senso de justiça. Por fim, sua presença ao lado de Bruce traz uma conclusão agridoce para a história de amor de Batman após anos de sofrimento.
Imperfeições
Mesmo os melhores filmes têm suas imperfeições, e a trilogia "O Cavaleiro das Trevas" não é uma exceção.
Uma das maiores críticas à trilogia "O Cavaleiro das Trevas" é sobre a tendência de contar com uma estrutura previsível e estereotipada em cada um dos filmes. Especificamente, cada filme termina com uma enorme cena de batalha entre Batman e seus vários inimigos, que se tornou uma espécie de alegoria no gênero de super-heróis. Essa previsibilidade não apenas torna os filmes menos envolventes e emocionantes, mas também reduz o impacto desses momentos de clímax. Em vez de parecerem conclusões orgânicas para a história, essas batalhas parecem ter sido incluídas porque eram esperadas pelos espectadores, o que acaba prejudicando a qualidade geral dos filmes.
Além disso, o fato de cada uma dessas batalhas ser resolvida por meio de violência física e força bruta reforça ainda mais os ideais masculinos tóxicos, passando a mensagem de que a única maneira de resolver problemas é por meio da agressão e da dominação. Essa abordagem limitada para a resolução de conflitos não apenas restringe a profundidade da narrativa, mas também perpetua normas sociais prejudiciais que têm consequências potencialmente destrutivas.
Curiosamente, Nolan parece estar ciente dessas questões em filmes de super-heróis e incorpora essas reflexões à história. Por exemplo, em Batman: O Cavaleiro das Trevas, os cidadãos se vestem de Batman para participar do combate ao crime. Quando esses imitadores estão em perigo e são resgatados por Batman, em vez de expressar gratidão, eles o questionaram com raiva: "Quem te deu este direito? Qual é a diferença entre eu e você?". Mesmo quando Harvey Dent ainda era um aliado de Batman, ele também disse: "Um dia, Batman terá que responder pelas leis que quebrou.". No entanto, ao longo da trilogia, quando surgem conflitos, a abordagem predominante para a solução de problemas costuma ser por meio da violência. Esses poucos momentos de reflexão parecem fracos em meio às cenas explosivas e visualmente estimulantes.
Resumo
A trilogia "O Cavaleiro das Trevas" representa um divis·or de águas na carreira de Nolan como diretor. Antes dessa trilogia, seus filmes investigavam principalmente os aspectos mais sombrios da natureza humana, como observado nos artigos anteriores que discutiram Amnésia e Seguinte. No entanto, nos filmes posteriores, o trabalho de Nolan tornou-se cada vez mais comercial, com protagonistas que evoluem para símbolos de heroísmo e enfatizam o lado mais positivo da vida.
No próximo artigo da série "Antes de Oppenheimer", vamos analisar outro filme de ficção científica criativo e comercialmente bem-sucedido de Nolan: A Origem.
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