Facinho no streaming: Globo play
Lançamento: 26 de junho 2025
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Acabo de assistir o episódio final da minissérie sobre Raul Seixas. Produzida pela O2 Filmes e distribuída pelo Globo Play “Raul seixas: Eu sou” mostra a que veio, e não nego minha emoção. Sei que não deveria estar escrevendo assim no calor do momento, mas não pude evitar e não quero deixar esfriar a sensação, quero manter esse calor ainda aqui dentro. Engraçado é quando terminamos uma experiência assim, de imersão, fica impressa em nós a sensação de não saber o que fazer com a vida depois, uma espécie de melancolia que não é inteiramente triste, tampouco alegre, enfim, por isso resolvi escrever já.
A série estreou em 26 de junho, num momento bom e ao mesmo tempo ruim para a veia musical brasileira, bom porque o fã da nossa música acaba de ser agraciado pelo muito competente filme biográfico de Ney Matogrosso; (Homem com H) e ruim pelo mesmo motivo, pois existe o risco de se ofuscar, mas claro, nada que o tempo não resolva, não é mesmo? Ou será que são coisas totalmente diferentes? Afinal, quem há de saber.
Jesuíta Barbosa, um já conhecido querido, conquistou ainda mais os nossos corações ao interpretar Ney Matogrosso com tanta maestria, e agora Ravel Andrade segue o mesmo caminho interpretando Raul Seixas. Peço que não se deixe enganar pelo possível estranhamento inicial com sua voz ou maneirismos, aos poucos a sutileza de seu trabalho se revela, e é como se o próprio Raul ressurgisse diante de nossos olhos. O mesmo conselho serve para João Pedro Zappa no papel de Paulo Coelho, é convincente e supera expectativas.

O primeiro episódio da minissérie conta uma anedota engraçada, típica do músico, aquele tipo de história que eleva a mitologia de um artista e roda por aí quase sobressaindo sua obra - o que não acontece devido seu conteúdo de imensa qualidade - logo na primeira cena vemos Raul Seixas numa apresentação histórica no município de Caieiras em São Paulo no ano de 1982, esse show é considerado histórico por ter se tornado um imenso desastre, Seixas estava tão bêbado, sem conseguir cantar direito e confuso que foi confundido com um sósia. De uma hora pra outra todo o público começa a gritar que aquele cara no palco não era o verdadeiro Raul e sim um impostor qualquer, exigiam que ele se retirasse do palco e a balbúrdia foi tanta que o mesmo foi retirado na base da violência, e por fim levado preso por falta de qualquer documento que provasse a sua real identidade.
Acho que quase todo brasileiro nato sabe ou já ouviu a história acima em algum lugar, mas existe uma outra anedota doida como essa retratada na série, a de um show realizado em 1985 em Itaituba quando o mesmo fez uma turnê pelos garimpos do Pará, já deu pra imaginar? Aparentemente a aventura era de praxe, tanto que chega a ser batido escutar o grito de “Toca Raul” em algum show ou karaokê qualquer da vida, ou ouvir falar sobre a tal nada misteriosa Sociedade alternativa, mesmo que seu significado seja meio impreciso. O legal é que a série está aqui para apresentar esses detalhes e talvez preencher certas lacunas dessa história, além do mito e dos bordões.

Particularmente adorei a forma como ainda num primeiro momento da minissérie contamos com um questionamento filosófico sobre a figura de Raul Seixas, tal questionamento também serve de introdução sobre sua persona e posteriormente sobre sua pessoa, assim mesmo nos meandros de vida pessoal, a narrativa apesar de linear tem suas idas e vindas na história, a fim de mostrar ao espectador um pouco do vínculo com sua família e sua criação. “Eu sou” apresenta a nuance de sua criatividade precoce, como brincava Raul e como inventava histórias lúdicas para entreter o irmão mais novo Plínio Seixas. Sua intimidade com personagens literários que na série aparecem para ele como amigos íntimos, imaginários, e como tais hábitos o levaram a usar a afirmação “sou ator” até o exagero e algumas vezes como desculpa para justificar escolhas impulsivas.
Aos poucos adentramos em uma camada a mais da sua intimidade, degrau a degrau vemos Raul tomar muitas decisões. As decisões que culminaram no seu estrondoso sucesso, mas também de sua morte precoce aos 44 anos, passou antes algum tempo sofrendo com a pancreatite e a diabetes que foram consequências diretas dos seus excessos, o abuso de álcool, drogas e festinhas sem limites. Também devido a todo excesso, Raul Seixas se tornou incapaz de manter relacionamentos, foi casado três vezes e todos casamentos terminaram de forma estranhamente parecida, causando sofrimento a todos os envolvidos, principalmente a suas filhas. De Raul acabamos por conhecer muito, ou pelo menos podemos dar uma bela espiada em sua trajetória: as inseguranças, o medo da solidão, o desmoronar dos seus casamentos, início e término de suas parcerias, seu quase esquecimento e uma certa ressurreição.
Mas temos também o prazer de testemunhar as fases e seu processo criativo, desde pirralho com suas inventivas bandas cover de rock n roll, o não sucesso da sua primeira banda oficial, Raulzito e os panteras, o delicioso projeto Sociedade da Grã-Ordem Kavernista que também contava com Edy Star, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada; depois seu trampo como produtor da gravadora CBS, sua época mais certinha da vida, a insatisfação de ver sua criatividade investida em outrem, mas não por muito tempo, pois o empurrãozinho do amigo Sérgio Sampaio o encoraja a se arriscar e investir mais uma vez na carreira artista o permitindo vencer o bloqueio, e partindo daí apresenta seu imenso potencial ao mundo, dentre os tanto o mais encantador, o de misturar rock e blues americano com música nordestina, nesse quesito Raul Seixas é irresistível.

De todas as parcerias musicais e fases que teve a que a série mais exalta é o entrosamento com Paulo Coelho. Com Coelho, Raul viveu uma relação meio Lennon e McCartney, cada um agregando e enriquecendo por demais o repertório do outro, nessa fase Raul passou a se interessar pelo oculto e a pensar numa nova revolução, mas nem tudo era possível pois ainda colhíamos os amargos frutos da ditadura militar, era preciso ter imenso cuidado. Em outras fases e outras parcerias, a maior de sua vida talvez tenha sido a de sua última esposa, Kika Seixas, que cortou um dobrado e tentou salvar legado e indivíduo, Raul Seixas conheceu Kika em uma de suas fases mais complicadas e ela permaneceu até onde deu, tentou muito, mas como o próprio Raul disse em determinados momentos: estava em seu caminho e sabia o que fazia (a questão é que fica é se sabia mesmo). No campo da composição musical figuras ilustres e mentes pensantes também aparecem na adaptação: Cláudio Roberto, Marcelo Motta e o não tão ilustre assim Oscar Rasmussen, o traficante como fama de oportunista. Mais adiante vamos ouvir falar sobre o termo Raulseixismo, e se você não sabe ao certo o que significa, fica aí a deixa para acompanhar a minissérie que em 8 episódios apresenta esse alienígena baiano pai do rock brasileiro do qual a imagem e mensagem segue em nossos corações e mentes e é um tesouro de nossa cultura.
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