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A construção de mundo de “Duna” poderia salvar a Marvel?

Spoilers

Era uma vez um obcecado pela Marvel – meu gato Loki é prova disso. Mas essa época foi há tanto tempo que mal me lembro, porque sejamos realistas, o estúdio está péssimo agora – os filmes viraram um bocado de ctrl+c ctrl+v. Não é mais entretenimento, só conteúdo. A pior parte é que isso ainda vende, então metade dos grandes filmes de hoje segue a mesma fórmula insossa.

Até que Duna: Parte Dois apareceu.

Para ser justo, eu também não esperava muito de Duna – no início, achei que seria lento e complicado demais, igual à primeira parte; quando começou a ser elogiado pelo público, presumi que tivesse copiado a abordagem da Marvel em prol de um atrativo entediante. Mas quando realmente sentei e assisti, não fiquei apenas surpreso – foi praticamente revolucionário para mim como escritor, tudo graças à construção de mundo.

Se você não está familiarizado com o termo, acho que consegue presumir apenas pelo título: é a forma como uma história de fantasia constrói seu mundo ficcional; e isso cobre muita coisa – desde a criação de idiomas originais, a sistemas econômicos complexos e até mesmo mapas mundiais. Nem toda construção de mundo é feita da mesma forma – e nem sempre é bem feita, mas quando é… podemos dizer que Duna mostrou como a boa construção força até mesmo o conteúdo mais insosso a se tornar marcante.

Qualquer cenário fictício terá pessoas, e essas pessoas naturalmente se dividem em grupos com valores diferentes – que podem ser culturas num mundo, facções numa cidade ou apenas grupinhos numa escola. Uma vez que entendam os grupos, um bom construtor de mundos vai perguntar como seus valores moldam suas vidas e como suas vidas moldam seus valores.

Se quer saber o que quero dizer com “grupos”, tenho um bom exemplo de Duna

Os Fremen vivem em um clima desértico rigoroso, por isso valorizam a comunidade e a resiliência necessárias para sobreviver naquele mundo. O deserto contém a Especiaria, um recurso cobiçado em todo o universo; como resultado, outras culturas subjugam e exterminam os Fremen para controlá-la – isso muda a forma como os Fremen veem os de fora. Sua religião, contudo, os leva não só a aceitar um de fora, mas a elevá-lo à condição de messias – messias que pode ser apenas um espião e levar os Fremen a uma guerra por vingança.

Não sou capaz de analisar profundamente a construção do mundo sem reescrever Duna. Muitas questões filosóficas colocadas fazem a história valer a pena: o público deve considerar o papel da religião na sociedade, a dinâmica de poder do messias/seguidores e do colonizador/colonizado, o desejo de riqueza a qualquer custo, o uso da vingança… só aí já existem infinitos caminhos para se explorar. Duna: Parte Dois foca particularmente nos aspectos religiosos e merece muitos elogios por isso; não só aborda um dos tópicos mais culturalmente sensíveis possíveis, como faz bem feito. Graças a essa profundidade adicional, o filme é mais do que apenas entretenimento.

Paul é tão encantador que as pessoas esquecem que um messias ideal não deveria convocar uma guerra – embora eu ache que é esse o ponto que estão tentando enfatizar.

Então, como esse tipo de construção de mundo poderia salvar a Marvel? Porque isso faria com que os filmes tivessem um significado de novo. Seus primeiros filmes tinham profundidade suficiente para interessar o público: Homem de Ferro é sobre as glórias e os perigos da tecnologia; Capitão América trata do poder da bravura e da determinação; Thor, depois de lutar para encontrar sua base, virou uma história sobre como encontrar força em si mesmo e crescer. Mas sobre o que é Doutor Estranho, afinal? E como você gerencia todos esses significados individuais quando tenta construir um universo cinematográfico?

A Marvel precisava de sucessos fáceis no começo, então fazia sentido; mas se quiser manter sua reputação, terá de criar outros mundos interessantes – Wakanda foi um bom começo, mas precisamos de mais. No mundo da Marvel, cidades são destruídas a cada duas semanas – talvez isso signifique que as pessoas comecem a fugir delas para viver no campo; com isso, as economias começariam a entrar em colapso e os super-heróis seriam chamados para atuar como a “polícia”. Talvez as pessoas sejam presas injustamente como demonstração de segurança e isso viraria a opinião contra os heróis; as pessoas não voltariam para as cidades porque prefeririam viver no campo e o governo se tornaria mais autoritário para tentar manter o controle.

Se isso se parece com a trama The Boys, saiba que não assisti à série porque sou um covarde.

Questões de crime e punição, vida rural e urbana, papel do governo na sociedade… há muito para explorar. Seria necessária muita criatividade; e isso significaria que a Marvel realmente teria que defender alguma coisa – mas não é esse o objetivo de fazer arte? No mundo movido pelo lucro da Marvel, provavelmente não – mas talvez um dia. Afinal, Duna é um lembrete de que histórias marcantes, com mundos bem criados, também podem ser grandes sucessos – e o que é mais convincente para os grandes estúdios do que cifrões?

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