Em seu material de divulgação, o filme se apresenta como um filme de ação com uma parceria entre humanos e cachorros. Porém, é na verdade uma história de “autorredenção”, “dor” e o conflito entre “ordem e desordem”. Apesar de se encaixar em um gênero, o filme parece um pouco dramático demais, oscilando entre elementos romantizados e dramatização em excesso.
Douglas, interpretado por Caleb Landry Jones, é um indivíduo com uma infância problemática, uma vítima da violência familiar e deficiente físico. Após sofrer por ser abandonado e marginalizado, ele se transforma no Dogman. A brincadeira com a palavra “Dog” (cachorro) se transformando em “God” (Deus) sugere a metamorfose de um indivíduo deficiente marginalizado em uma figura divina, simbolizando o julgamento do mal e a reconstrução da ordem. Esse simbolismo é particularmente evidente nas cenas finais em que Douglas se funde com um crucifixo, transmitindo a natureza alegórica do filme. A interpretação dessa divinização e romantização, acompanhada de visuais de estilo retrô e elementos nostálgicos em excesso, parece ter se tornado um clichê, fazendo com que se pareça mais com um “show da Marvel” do que uma criação artística genuína.
Desde O Profissional, Luc Besson se aventurou em um caminho hollywoodiano de estilo francês, passando de filmes artísticos para cinema comercial. Começando por Imensidão Azul, o inglês se tornou gradualmente a língua primária em seus filmes, e os cenários mudaram para os Estados Unidos. O status internacional de Besson foi estabelecido principalmente pelo sucesso de O Profissional e O Quinto Elemento, que são exatamente melodramas com o “espírito americano” ambientados em Nova York. Desde seu filme de estreia, O Último Combate, um arquétipo que persistiu nos filmes de Besson ficou evidente: o contraste e a coexistência de uma aparência “frágil” com tiroteios violentos, e o herói que confronta a realidade, formando o paradigma estético ou a “autoria” de seus filmes. Talvez seja por isso que Besson conseguiu conquistar seu nicho e atrair atenção, injetando um toque francês nos filmes de gênero e proporcionando ao público uma experiência audiovisual única caracterizada pela liberdade, romance e entretenimento.
No entanto, o acúmulo de elementos de gênero e a aparência extravagante tornam-se o maior problema neste filme. Travestismo, cachorros matando pessoas, violência doméstica – esses elementos no filme servem mais como truques e tentativas do diretor de explorar certas questões, mas acabam presos no dilema entre apelo comercial e profundidade artística. A representação de subculturas parece mais um olhar fugaz e o desenvolvimento estereotipado do personagem resulta em nada mais do que uma emoção superficial.
No contexto do cinema contemporâneo, o conceito de “autor” evoluiu. Não significa mais a dúvida ou autoexpressão, nem é apenas um tema metafórico ou a personificação poética de alguma forma de estética do realismo. Já não é mais a época de mestres como Bergman, Fellini ou Bresson, quando se enfatizava o “ego” centrado na “estética estéril”. Tornou-se um consenso da criação artística que a arte e a autoria em gêneros devem ser enfatizadas.
Como sempre, tiroteios estão presentes nos filmes de Besson, e o clímax do filme (Douglas liderando um grupo de cães em uma batalha contra a máfia) é repleto de maestria. Sem nenhuma inovação no design de ação, Douglas sobrevive principalmente devido à “sorte” ou, como alguns diriam, a uma existência divina. Qual é o verdadeiro atrativo real deste filme? Talvez seja a justaposição e a simbiose de violência e redenção ou a exploração e reconhecimento de liberdade e crença. Certamente, quando Douglas canta com calma a emocionante “La Foule” no palco, ninguém fica impassível. Mais importante ainda, a representação espetacularizada da violência doméstica no filme, uma situação mais dolorosa do que a dor da família original – a situação da gaiola do cachorro.
Ao usar o espetáculo para representar a violência, por um lado, diminui ou dissolve a seriedade do significado textual em um prazer estético e, por outro lado, estimula o reconhecimento do público de comportamentos violentos. Transformar a violência doméstica em um espetáculo visual, acompanhada de um texto narrativo de “vingança e redenção”, tornou-se um paradigma, com Coringa sendo um exemplo típico. Comparado a Coringa, Dogman obviamente lida com a relação entre o indivíduo e a sociedade com menos sucesso. A lógica comportamental de indivíduos marginalizados que tentam resistir e liberar completamente suas emoções é mais clara no filme Coringa. E mais importante ainda, a origem do sofrimento do Coringa não está enraizada apenas na família.
Por trás da fachada brilhantes de romantização, Dogman expõe sua falta de substância e empolgação. Suas falhas lembram outras obras; a paródia e a gamificação do texto, juntamente com a acumulação de elementos de gênero, capturam a atenção do público. Porém, a erosão do significado e suas consequências, como uma faca de dois gumes do cinema moderno, parecem ter chegado a um impasse.
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