"A Casa do Dragão" - Crítica: Por que Westeros segue matando narrativas queer?

Spoilers

*ATENÇÃO*

O texto a seguir contém spoilers de

“A Casa do Dragão” e “Game of Thrones”

Pois muito que bem - aviso dado, comecemos os trabalhos: eis que mal começamos a nos instalar nesse novo universo de “A Casa do Dragão” (2022), apesar da sensação de que já aconteceu um montão de coisa, e xablau! dá-lhe a série atacando de matança descompensada.

Pancadaria, assassinatos e até massacres sem porquê já não chocam frequentadores assíduos de Westeros, é claro, posto que veteranos de “Game of Thrones” (2011) sabem que o gera impacto é o “quem e quando”. Não só isso, como sabemos também que a regra não dita de ambas as séries e das obras originais do autor George R.R. Martin meio que é “ninguém é sagrado”; leia-se, qualquer um pode morrer, a qualquer momento.

Sabendo de tudo isso, seria aceitável e até lógico ter assistido aos últimos acontecimentos do 5º e mais recente episódio da saga dos Targaryen com altas emoções, mas nada além do normal, certo?

ER-RA-DO. E aqui está o porquê.

rhaenyra e laenor casamento

Ao passo que uma aliança política em forma de casamento entre Rhaenyra Targaryen e Ser Laenor, da Casa Velaryon, foi rapidamente selada pelo Rei e os previamente rejeitados Lorde Corlys e Lady Rhaenys, os ~pombinhos~ também fizeram seus próprios planos.

O acordo [muito do sincerão, palmas pra “juventude ~de hoje em dia~”] entre os dois significava que enquanto o casal cumpriria seus deveres reais, a herdeira ao trono continuaria a manter o affair com seu protetor, Ser Criston Cole, e o noivo, com seu consorte - seu próprio guarda-costas, um cavaleiro chamado Ser Joffrey Lonmouth.

laenor velaryon e joffrey lonmouth

Pelas conversas “de quem manda" e o disse-me-disse de quem não, dá pra ver que nem a orientação sexual do herdeiro da Casa Velaryon, nem seu relacionamento com Ser Monmouth são grandes segredos. Então o que é que isso tudo significa?

Que o universo de Westeros acaba de ter sua primeira linha narrativa abertamente, claramente gay na história de todos os séculos - certo?

Não. Nope. Nerrp. Errado. E por quê?

Porque o mesmíssimo Ser Joffrey Lonmouth morre na festança do casório, antes mesmo da alegria dos noivos começar, levando junto com ele qualquer sombra de ideia de tal narrativa de representatividade queer.

Contudo, não é a primeira vez que esse tropo referente ao mundo dos filmes e séries que já ganhou até nome e hashtag no Twitter (#buryyourgays), uma que em inglês significa literalmente “enterrem seus gays”, ataca Westeros. Mostrando ser tão ou mais poderoso do que os dragões dos Targaryen, um ataque desses já tinha acontecido até antes da morte de Ser Joffrey, na própria “Casa do Dragão” - e vamos mostrar como e quando, só deixando no ar o “por quê?".

Aliás, quase como nos clichês de filmes de terror mais antigos em que quem morria primeiro era sempre um personagem negro ou “a loira burra”, o ‘enterrem seus gays’ já vem lá de “Game of Thrones”.

renly baratheon e loras tyrell

Pode até parecer uma noção um pouco absurda criticar as mortes de certos personagens em um universo onde “todos e qualquer um morrem o tempo todo”, e criticá-las com base na orientação sexual deles em uma história onde, novamente, parece que tudo “é só p*taria o tempo todo”; mas vamos pegar nossas lupas de aumento e arregaçar nossas mangas para pensar direito por um momentinho, sim?

Mais do que “fogo e sangue”, vamos relembrar através da listinha de personagens abaixo que, historicamente, o que mais mata em Westeros, realmente, é ser queer:

“A Casa do Dragão”

→ Rhaenyra Targaryen & Alicent Hightower

a casa do dragão crítica

- Não, não foi uma ilusão homossexual da nossa parte: Rhaenyra e a atual rainha Alicent, que são (ou eram?) amigas próximas têm sim um quê romântico e ~erótico~ na relação das duas. Isso foi até confirmado pelas atrizes da série - e embora Alicent tenha seguido o plano de seu pai, ex-Mão do Rei, ela descobriu a relação da herdeira com Ser Criston e parece, no mínimo, incomodada. Tem ciúme ali, sim, e é mútuo, sim - ah, se é.

- Agora, o que isso implica? Que temos mais personagens ~possivelmente~ queer cujas narrativas já foram truncadas desde o começo. De Alicent, por ter sido forçada a se casar com o Rei; e da própria Rhaenyra, que não só não pôde investir em Alicent, como também fica agora em uma situação incerta com seu amante.

- De qualquer maneira, ainda assim, nenhuma destas características é declarada tão abertamente quanto a que seria da linha narrativa de Ser Laenor Velaryon e Ser Joffrey Lonmouth.

“Game of Thrones”

[in memoriam]

→ Oberyn Martell

oberyn martell morte

- Oberyn Martell foi o primeiro personagem abertamente e declaradamente bissexual de Westeros - digo, de Dorne em Westeros. Afinal, quem poderia esquecer da chegada sangrenta e sensual da Víbora Vermelha e sua consorte, Ellaria Sand, no bordel do Mindinho? Ao mesmo tempo, dá pra esquecer também que essa figura marcante durou apenas uns três episódios e ainda sofreu uma morte horripilante?

É, pois é.

- Além disso, durante sua participação e toda vez que invocam seu nome ou lembrança, faz-se questão, curiosamente, de mencionar como o príncipe (ou “seu povo, em geral”) é/ era uma figura devassa, boêmia, libertina e que não se prendia às ~convenções sociais~.

Aí fica o questionamento, essa descrição dele e a vida curta na série a gente coloca na conta da bissexualidade, ao passo que relações incestuosas entre irmãos “tudo ok porque faz parte”?

Qual é o peso, qual a medida do que é aceitável para o público? Ou para os produtores?

→ Renly Baratheon & Ser Loras Tyrell

renly baratheon morte

- Renly era o mais novo dos irmãos Baratheon e quase chegou a ser rei, tendo reunido um grande exército e, de quebra, conquistado a proteção e lealdade de Brienne de Tarth.

Para quem ainda estava brigando com outros quatro concorrentes, Renly estava bem demais na fita; até rainha e guarda real ele já tinha. Acontece, é claro, que a rainha em questão era Margeary Tyrell, e o guarda-costas principal, o irmão dela, cunhado do rei, e seu amante de longa data; enquanto Loras Tyrell, o Cavaleiro das Flores, era o sonho das donzelas dos sete reinos, as “inclinações” de Renly Baratheon eram um segredo muito do mal guardado.

Todos sabemos como as coisas terminaram para Renly, que declaradamente, era “adorado por todos, mas sem nenhuma experiência no campo de batalha”. A pobre da Margeary tentou de tudo, mas não teve jeito; o carismático quase-rei logo foi derrotado pelo irmão mais velho - um homem duro e implacável.

- Quanto a Loras, está certo que seu martírio viria muito depois - mas é exatamente o que foi: um martírio. Condizente com a narrativa, o momento de inquisição religiosa e tal, mas o cavaleiro nunca mais teve a mesma relevância na série até o momento em que foi severamente castigado. Justamente por “lascividade”.

Logo antes de morrer. Também.

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