Se não me engano, a palavra “família” nunca aparece em Totem (2023) de Lila Avilés. No entanto, o filme explora, de maneira comovente, essa estrutura mais básica das unidades sociais humanas.

Claro, o título já carrega um grande significado. Embora eu não possa falar por outras línguas, no português, ele faz uma referência a um objeto antigo que serve como símbolo sagrado de um grupo social (clã ou tribo). O termo translitera o conceito original indiano e não evoca imediatamente a imagem de uma família.
O filme adota a perspectiva de Sol, de 7 anos, que convive com o pai em estágio terminal de um câncer. Toda a família, incluindo tias e tios, está preparando uma festa de aniversário para o pai, que também funciona como despedida. A sensação de perda iminente é inevitável. Embora as palavras “morte” ou “morrer” sejam pronunciadas apenas algumas vezes, elas se mantêm tão presentes na mente de todos que permeiam cada respiração.
Provavelmente existem milhares de filmes que retratam tragédias familiares dessa natureza. É quase possível ouvir os coros como “Somos uma família!”, “Devemos ficar juntos!”, “Nunca vamos desistir de você!” e “Estamos com você!” que afirmam valores tradicionais. Totem possui esse espírito familiar em abundância, mas sem clichês. Ele apresenta um retrato íntimo de uma grande família com vinhetas vívidas, sem fazer nenhum julgamento. É tão complexo e confuso quanto a vida real, mas ao mesmo tempo tão puro e cristalino quanto o coração de uma menina de sete anos.
No início do filme, Sol deseja que o pai não morra. O público, que ainda não está totalmente imerso na história, talvez não perceba. Mas no final, quando Sol olha para as velas do bolo de aniversário sem dizer uma palavra, compreendemos o desejo dela. Esse olhar, carregado de intensidade emocional, é o destaque perfeito para essa história de tristeza e união.

Meses se passaram, mas ainda consigo me lembrar vividamente da expressão da menina, e meu coração está com ela. Qualquer pessoa que tenha perdido um ente querido devido a uma doença, principalmente de maneira tão prematura, consegue se identificar.
No Festival Internacional de Cinema de Pequim, Montserrat Marañon, que interpreta Nuria, a tia de Sol, ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, mas todos os atores conseguiram entregar atuações brilhantes. Embora eu não lembre de todos os nomes, muitos deles realmente se destacam, como a mãe que trabalha em um teatro, o avô que usa um aparelho de fala e presenteia o filho com um bonsai, o convidado da festa que é muito estranho ou pode ter tido um caso com o pai, e até mesmo com a mulher vodu que também trabalha como vendedora de potes.

Totem não é povoado apenas por esses personagens humanos intrigantes; é enriquecido por um elenco igualmente extenso de animais. Além dos cães e gatos obrigatórios como animais de estimação, considerados membros da família, logo no início testemunhamos um papagaio colorido e um gafanhoto. Na cena final, quando o pai já partiu e a família se mudou, um pequeno inseto rasteja pela porta. De alguma forma, até o ato de colar caracóis em fotos emolduradas parece emblemático. Talvez o momento mais fascinante, embora um pouco desconcertante, seja quando um galo pousa no teto de vidro e o avô usa um graveto para espantá-lo. Será porque essa ave doméstica pertence a outra família? Ou será porque a geração mais velha é menos receptiva a coisas que vêm de fora? Eu gostaria de saber...

Entretanto, não há dúvida de que a presença de vários animais tem um significado mais profundo. No clímax durante a festa, alguém conta a origem do nome do pai, Tona, que significa jaguar, e antes da festa, ele deixa uma pintura de corujas e cobras para a filha. É evidente que as crianças têm uma afinidade mais forte com outros seres vivos. Além disso, a vida continua de várias formas e a morte pode fazer parte do processo.

Grande parte do poder emocional Totem é transmitido através de close-ups que imitam a posição da câmera de um celular. Se você pensar bem, as pessoas ficam sem jeito quando são abordadas por um parente próximo que coloca uma câmera desse tipo perto do rosto delas, mas não demora muito até que elas se esqueçam e continuem as atividades diárias. Totem não apresenta quase nenhum corte transversal. Quando se move entre personagens em uma conversa, falta o enquadramento deliberado ou mesmo a casualidade equilibrada. A ausência de planos de estabelecimento acrescenta imediatismo à história. Na melhor das hipóteses, como fica evidente no filme, a manipulação automática das lentes não trouxe apenas conveniência técnica, mas um reajuste da percepção sobre a própria câmera.
Em alguns momentos conseguimos perceber que eles não estão bem economicamente, mas continuam sobrevivendo. Os pais de Sol são artistas que, a menos que sejam conhecidos e famosos, costumam enfrentar dificuldades. No entanto, já que estamos no lugar de Sol, por assim dizer, estamos um tanto protegidos dos aspectos mais duros da realidade. Adicionar pobreza à equação poderia ter provocado mais lágrimas no público, mas não necessariamente se torna um objetivo artístico superior. Por outro lado, privar a história de qualquer propulsão narrativa poderia ter sido um fator significativo no fraco desempenho de bilheteria do filme. Felizmente, o filme foi selecionado para a competição principal do 73º Berlinale e para a mostra Horizontes Latinos do 71º Festival Internacional de Cinema de San Sebastián.
Quando tia Nuria finalmente consegue fazer um bolo de aniversário para o irmão, Tona, depois de queimar o primeiro, notamos que a decoração foi inspirada em "A Noite Estrelada" de Van Gogh. Me surpreendi que o tema não envolveu nenhum animal. Contudo, em meio às nuvens escuras da morte, a luz das estrelas parece emitir um brilho misterioso, muito parecido com o amor de membros da família que fariam qualquer coisa para iluminar a vida de um ente querido.

Por coincidência, Lost in the Stars (2022), também emprega o clássico de Van Gogh como foco visual em uma cena de clímax. Com suas reviravoltas malucas e manipulação emocional, o filme arrecadou impressionantes US $480 milhões de bilheteria. Se ao menos possuísse a autenticidade emocional dos personagens de Totem...