"O Assassino": apenas um trabalhador comum com uma sensação de vazio

Quando foi exibido pela primeira vez, no Festival de Cinema de Veneza, O Assassino já recebeu críticas de que era um trabalho superficial do diretor David Fincher para a Netflix. No dia do lançamento na plataforma, em 10 de novembro deste ano, surgiu uma onda de críticas negativas, a ponto de se tornar o meio de expressar pesar por alguns dos adorados diretores de Hollywood. Toda a mudança entre cinema e streaming devido à pandemia os afetou fortemente.

No entanto, o que quero dizer é que mesmo que a obra de David Fincher pareça menos original, ainda está fora do alcance de muitos diretores. Fiel ao seu estilo, ele alterna entre gêneros e antigêneros com facilidade, transformando o que seria uma história clichê e matadora em algo repleto de novidades e surpresas. Quanto à história em si, ele poderia ter explorado, de alguma forma, as emoções e mentalidades da classe média – a maioria das pessoas da época. Se você enxergou o assassino do filme como um homem da classe média, acertou em cheio. Ele nos é apresentado como um trabalhador comum da classe média.

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O assassino interpretado por Michael Fassbender

Existem muitas narrativas de assassinato típicas e antiquadas para Fincher. Por exemplo, um assassino recebe a encomenda mais bem paga de sempre e, durante a missão, os riscos e perigos aparecem um após o outro. Ou um solitário indiferente não tem outra saída senão se juntar a um cara problemático e os dois formam uma dupla encantadora em tarefas aventureiras. Além disso, há aqueles que pretendem virar a página depois de uma última missão perigosa que poderia até custar a vida…

Contudo, nada acima representa David Fincher. Em vez disso, ele opta por começar com um erro fatal durante uma missão. Depois de cerca de vinte minutos apresentando o quanto o assassino é bem treinado e habilidoso, o filme avança com alguns segundos de como ele atira na pessoa errada com seu rifle. Uau. O filme não tentou ir na direção de como o assassino tenta reparar a missão, mas, sim, tenta mostrá-lo sendo imediatamente expulso da organização por causa desse erro. Pior ainda, sua esposa quase foi morta. Então, ele decide se vingar de quem está por trás disso. Mais uma vez, uau. Quase tudo dentro do gênero, mas de vez em quando ele cria desvios que nos surpreendem. Essa flexibilidade precisamente controlada entre narrativas de gênero e antigênero é como a linguagem cinematográfica do diretor – enquadramento restrito e foco refinado – uma demonstração de profissionalismo e perfeccionismo.

A abordagem atípica de David Fincher também é evidente porque ele desconstrói a imagem tradicionalmente percebida dos assassinos. O assassino nesse filme não é mais misterioso ou divino. Pelo contrário, ele é como você e eu, um homem comum que trabalha duro, mas vai se esgotando. Talvez ele comece com alguma motivação, buscando um sentido, mas isso vai desaparecendo a cada tarefa do dia a dia. Fora do trabalho, ele descansa em um aconchegante espaço privado de uma mansão escondida na selva na República Dominicana, assim como nós, escravos corporativos, que descansamos em uma casa acolhedora após um longo dia de trabalho (isso é completamente diferente de James Bond na franquia 007, em que o trabalho é sua vida). Se esse último porto-seguro for invadido, o assassino não poderá mais se comprometer. Entretanto, ele nunca pretende derrubar toda a organização ou derrotar toda a cadeia industrial obscura, mas apenas se vingar da pessoa que machucou sua esposa, um simples "olho por olho".

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O assassino criado por David Fincher realmente exala vibrações modernas, um reflexo absoluto de jovens como eu. Ao viver neste mundo (sistema), estamos familiarizados com suas regras e as utilizamos em nossas vidas diárias. Uma vez que perdemos o controle ou somos reprimidos, vamos agir como um bug no sistema, causando alguns pequenos danos a ele (como faz o assassino que teria sido eliminado do mundo ao matar seu supervisor), mas nunca pensamos em destruir o sistema inteiro e fazer uma diferença total para a humanidade. O Assassino, sem dúvida, não carrega nem o heroísmo visto em filmes de assassinato, assassinos estão determinados a eliminar a violência e acreditam que a justiça e a ordem pública são tudo aquilo pelo que vivem, nem outra ideia comum: o cinismo e o desejo escondido por trás de mudar o mundo. Em Taxi Driver (1976), por exemplo, Travis decide assassinar um candidato presidencial, visando quem está no topo do sistema. Em O Assassino essa noção não existe. O assassino trabalha apenas para ser pago e às vezes comete erros. Ele não quer destruir o mundo, mas quer fugir para um lugar seguro, não deixando nada para trás, exceto um vazio.

Uma sensação de vazio – este é o estado mental compartilhado pelo público em geral na época capturada por O Assassino.

Dessa perspectiva, David Fincher foi certeiro ao escolher Michael Fassbender para interpretar o assassino. A atitude e o método de atuação precisos, meticulosos e quase perfeitos de Fassbender apresentam uma sensação de ridículo, absurdo e falta de sentido nos cenários e nas narrativas de David Fincher que às vezes se desviam dos cenários convencionais. Assim como o próprio assassino, ele é tão profissional, e ao mesmo tempo tão falante, que até errou o tiro.

Como David Fincher captura essa sensação de vazio? Aos poucos ele percebeu que o mesmo se aplica à sua carreira como diretor há mais de trinta anos? Quando ele estava produzindo O Assassino, achou que o filme era o tiro que errou?

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