À medida que Alien: Romulus se aproxima da marca de US$ 100 milhões nas bilheterias norte-americanas, muitos começam a considerá-lo o melhor filme da saga Alien dos últimos anos. Em comparação aos filmes anteriores, Romulus está mais sintonizado com as expectativas do público, mais focado no impacto sensorial e consegue contar uma história coesa, levando muitos espectadores a reviverem os mesmos sentimentos que tiveram ao assistir aos dois primeiros filmes da saga.
No entanto, em termos de ambição, Alien: Romulus fica desbotado em comparação com a prequela de Alien, Prometheus, de Ridley Scott, de 2012. Enquanto Romulus se contenta em cumprir os deveres de um filme de terror, Prometheus foi muito mais longe, almejando o lugar de clássicos da ficção científica como 2001: Uma Odisséia no Espaço e o próprio BladeRunner - O Caçador de Androides de Scott. Com Prometheus, Scott procurou canalizar suas reflexões de longa data sobre vários temas tecnológicos e filosóficos.
Os resultados dessa ambiciosa empreitada foram variados. Com um orçamento de produção de US$ 130 milhões, Prometheus arrecadou US$ 126 milhões nas bilheterias norte-americanas e US$ 280 milhões nas internacionais. As reações iniciais do público foram mornas; os fãs que buscavam a experiência clássica de Alien ficaram decepcionados com o tom artístico do filme, e suas premissas científicas e a lógica do enredo provocaram um debate considerável.
No entanto, uma análise mais detalhada dos temas do filme revela a intenção cuidadosa de Scott e dos roteiristas Jon Spaihts e Damon Lindelof. Prometheus é um filme inteligente, e mesmo uma década mais tarde as questões que ele explora continuam instigantes, deixando uma impressão mais duradoura do que muitos de seus contemporâneos de ficção científica mais populares. Vamos nos aprofundar nos temas que conferem a Prometheus seu potencial como um clássico da ficção científica.
Humano vs. Androide, ou Homem vs. Deus
Superficialmente, Prometheus é uma história de exploração espacial: um grupo de cientistas, financiado por uma grande corporação, embarca em uma missão para descobrir vida extraterrestre, mas se depara com crises causadas por negligência, arrogância e conflitos internos.
Mas, em um nível mais profundo, essa jornada é uma busca pela fé. Durante milênios, a humanidade acreditou que Deus é o seu criador. A possibilidade de vida extraterrestre tanto desafia quanto reforça essa crença. Personagens como Holloway veem a existência de “Engenheiros” extraterrestres como uma negação de Deus, enquanto crentes como Peter Weyland veem os Engenheiros como seres superiores que poderiam levar a humanidade para mais perto de Deus, talvez até revelando o segredo da vida eterna.
O aspecto mais intrigante de Prometheus é que o personagem de destaque do filme é um androide chamado David, uma criação da humanidade que é superior aos humanos em inteligência, em sua capacidade de aprendizado e até mesmo em algumas capacidades físicas, o que o torna mais próximo de “Deus”. Isso acaba sendo um eco dos temas que Scott explorou em Blade Runner – O Caçador de Androides: quando os humanos criam seres mais perfeitos do que a própria humanidade, como a dinâmica de poder entre eles irá evoluir? A coexistência pacífica entre eles é sequer possível?
Em Prometheus, a resposta é amplamente negativa. Talvez por se sentirem ameaçados pelo androide, os humanos do filme tratam David com um certo nível de preconceito semelhante ao racismo. Holloway, um arqueólogo, lembra constantemente a David que ele não tem emoções nem alma; a filha de Weyland, Meredith, não gosta da confiança do pai em David e até deseja eliminar o androide. O “pai” metafórico de David, Weyland, o vê mais como um animal de estimação ou um servo, sem o mínimo de respeito. Não é de se admirar que, depois de sofrer repetidos insultos e intimidações, David comece a realizar experimentos genéticos letais em humanos como forma de vingança.
Também vale a pena considerar os traços de personalidade de David. Todos afirmam que ele não tem emoções, mas será que isso é verdade? Ele chora ao assistir Lawrence da Arábia e mostra sinais de desagrado quando é insultado por humanos, embora consiga minimizar essas reações. Prometheus explora a possibilidade de que um androide possa aprender emoções por meio da experiência. Assim como os seres criados por Deus acabam se rebelando, não é improvável imaginar que as criaturas da humanidade possam se libertar desse controle humano e, por fim, buscar vingança. Essa narrativa, enraizada na Bíblia e desenvolvida em Paraíso Perdido, de John Milton, encontra um eco moderno em Blade Runner – O Caçador de Androides e Prometheus, de Scott.
Conto de Prometeu ou Caixa de Pandora?
A escolha de Scott de dar ao filme o nome Prometheus é intrigante e irônica. Embora possa não se alinhar perfeitamente com a mensagem central de Scott, ela certamente sugere a arrogância do personagem Weyland, que vê os Engenheiros como figuras divinas de Prometeu, se sacrificando para trazer esperança à humanidade. No entanto, os personagens do filme demonstram repetidamente que o que os deuses entregaram não foi esperança, mas sim uma Caixa de Pandora, cheia de doenças, desastres e mutações genéticas prontas para serem desencadeadas.
Se entendermos essa questão, as ações aparentemente tolas dos personagens em Prometheus automaticamente se transformam de falhas narrativas em uma sátira do comportamento antropocêntrico. O comportamento arrogante dos cientistas ao explorarem outro planeta, como se estivessem passeando em seu quintal, e as expectativas de Weyland em relação aos Engenheiros, tudo isso decorre da arrogância egocêntrica. Ele supõe que a criação da humanidade foi uma decisão importante para os Engenheiros, sem nunca considerar que pode ter sido um mero passatempo para esses seres superiores.
Enquanto os humanos erram repetidamente em sua arrogância, o androide David tem um prazer perverso em provocar o caos, movido pela curiosidade e por um espírito travesso. David, com seu cabelo dourado e sotaque alemão, incorpora uma visão de mundo semelhante à dos cientistas nazistas: ele apoia a sobrevivência do mais apto e uma visão hierárquica da civilização. Ele quer interromper o status quo para observar os resultados, mas consegue se adaptar às circunstâncias quando a sobrevivência depende disso. A complexidade e a intriga de David como personagem superam as dos humanos no filme, destacando o questionamento de Prometheus ao antropocentrismo.
O declínio das civilizações
Outro aspecto significativo de Prometheus é sua reflexão sobre a civilização. Embora o filme não diga isso explicitamente, um motivo provável para a obsessão da Weyland Corporation com a exploração espacial é a deterioração do meio ambiente da Terra e o esgotamento de seus recursos. Quando uma civilização atinge seus limites, a exploração e a colonização se tornam inevitáveis. Essa crítica subjacente ao colonialismo é um tema recorrente em muitas das obras de ficção científica de Ridley Scott, que, sob seu verniz científico, muitas vezes carregam um tom crítico.
Além disso, a civilização dos “Engenheiros” nesse filme também parece estar em declínio. Esses engenheiros, com sua tecnologia avançada, criaram as poderosas armas biológicas, os Xeromorfos, mas acabaram sendo consumidos por suas criações.
Scott traça vários paralelos entre a civilização humana e a dos Engenheiros: ambas são obcecadas pela criação de novas formas de vida; ambas são movidas pelo desejo de expansão, mesmo correndo o risco de encontrar perigo e destruição; ambas possuem tecnologia aeronáutica semelhante, sendo que as naves dos Engenheiros são essencialmente versões atualizadas das espaçonaves humanas; e, finalmente, ambas estão enfrentando o declínio de suas espécies. O colapso da espaçonave romanesca dos Engenheiros serve como metáfora visual para a queda de uma civilização.
Prometheus também aborda outros temas intrigantes: o significado da fé para a humanidade, as diferenças entre as percepções e os comportamentos masculinos e femininos e a dinâmica pai-criança como um microcosmo da relação criador-criação. É impressionante o fato de um filme de duas horas conseguir transmitir tantas ideias complexas.
Talvez seja esse desejo de explorar tanto em um intervalo de tempo tão limitado que faz com que Prometheus pareça ambíguo em algumas partes e difícil de ser digerido como um todo pelo público comum. Para filmes como esse, o tempo é o melhor amigo, permitindo que os detalhes se revelem gradualmente e convidando os espectadores a descobrirem novos elementos a cada exibição subsequente. Doze anos depois, Prometheus continua a oferecer novas percepções, o que realmente o torna um verdadeiro clássico.
Compartilhe sua opinião!
Seja a primeira pessoa a iniciar uma conversa.