Sean Baker: Fazendo os Melhores Filmes com o Menor Orçamento

Spoilers

Eu não achei que teria um filme favorito em 2024 até que surgiu Anora. Claro, ele ganhou a Palma de Ouro em maio do ano passado, mas foi só em janeiro deste ano que finalmente tive a chance de assisti-lo. No estilo típico de Sean Baker, Anora mistura absurdo, humor ácido e uma visão crua da vida de pessoas marginalizadas, tudo isso com um orçamento tão baixo que já é o suficiente para dar um nó na cabeça dos executivos de grandes estúdios. Mas não se trata apenas do que está na tela; é sobre como o diretor faz sua mágica com tão pouco.

Talvez você pense que filmar com iPhones ou produzir um filme com US$ 3000 é impossível — a menos que você seja o Sean Baker. Ao longo dos anos, ele provou que a produção de filmes com baixo orçamento não significa sacrificar a criatividade ou o impacto emocional. Baker construiu sua reputação com obras como Tangerina e Projeto Flórida, que mostraram seu estilo único: narrativa crua e corajosa que mergulha profundamente na vida de pessoas marginalizadas.

Anora

E Anora, com seu modesto orçamento de US$ 6 milhões, tornou-se o filme de maior bilheteria de Baker até hoje, arrecadando US$ 31 milhões em todo o mundo. E é fácil entender o por quê — ele combina drama, farsa, romance e até mesmo uma pitada de elementos de filmes de gângster, tudo embrulhado em uma embalagem brilhante e colorida pela qual Baker é conhecido.

O filme é centrado em Anora (Mikey Madison), uma stripper e profissional do sexo do Brooklyn que se envolve em um relacionamento turbulento com Ivan (Mark Eydelshteyn), o jovem herdeiro da fortuna de um oligarca russo. Ivan lhe oferece US$ 15.000 para que ela seja sua namorada por uma semana e, em pouco tempo, o romance impulsivo os leva a Las Vegas para se casarem às pressas. Anora, na esperança de ter encontrado seu “príncipe”, começa a ver seu conto de fadas se tornar realidade. Mas quando o casamento é exposto à família de Ivan, os pais dele enviam três capangas para resolver a situação, e a ilusão de Anora desmorona bem diante de seus olhos.

Os filmes de Baker geralmente desafiam as noções padrão de quais histórias merecem ser contadas — e Anora não é diferente. Essa não é a típica história da Cinderela. Anora não é uma vítima ingênua; seu relacionamento com Ivan não tem a ver com amor, mas com a possibilidade de uma vida melhor. E Ivan? Ele é apenas um garoto mimado que deseja escapar do controle da família e usa Anora para obter o Green Card.

Anora

Mas onde a fantasia se desmorona, ainda há algo em jogo — uma forma silenciosa e não reconhecida de proteção. É aí que Igor (interpretado por um ator incrivelmente subestimado, Yura Borisov) entra em cena. Igor é um dos capangas enviados para botar juízo na cabeça de Anora, mas o que se desenvolve entre eles é uma forma sutil de empatia e reconciliação. Aos poucos, Igor se torna um aliado improvável, chegando até a tentar beijar Anora nos momentos finais do filme, embora ela o rejeite. No entanto, o beijo não é o ponto principal. É a compreensão e a conexão entre eles — duas pessoas com o mesmo histórico de luta, ambas cientes das dificuldades para sobreviver.

Esse final é o que faz Anora deixar de ser uma simples desconstrução de um conto de fadas para se tornar algo mais profundo. Se o filme inteiro é sobre a destruição de um sonho, o fim deixa uma sensação persistente de esperança, mesmo que incerta. É um ideal romântico que ainda paira no ar, mas de uma maneira que não parece ingênua. Parece real. Em um determinado momento, tive a impressão de que o filme estava dizendo: “Sim, o amor e os contos de fadas podem ser destruídos, mas isso não significa que precisamos deixar de acreditar em algo melhor”. A ambiguidade do final é o que o torna tão marcante. É meio amargo, quase trágico, mas passa a sensação de algo implícito.

Para mim, sem o Igor e a cena breve e sutilmente significativa entre ele e Anora no carro, esse filme poderia não ter sido tão marcante. Não sei se você percebeu, mas é exatamente a partir do momento em que Igor aparece — sua tentativa desajeitada de impedir que Anora grite e fuja, oferecendo-lhe um cachecol nas ruas frias e, por fim, exigindo que seu empregador peça desculpas a ela — que começamos a sentir simpatia, afeição e uma sensação de proteção em relação à protagonista. Sem mostrar como ele a enxerga, Anora seria mais uma personagem desagradável. Em outras palavras, Igor é a personificação da empatia do diretor pelos grupos marginalizados.

Anora

Essa conclusão pode fazer com que você questione se Baker tinha o final planejado desde o início. Não estou insinuando nada de negativo. Na verdade, escrevo meus próprios romances da mesma maneira. Costumo começar com um final de tirar o fôlego e de cair o queixo e faço o caminho inverso a partir dele. Acredito que esse seja um método criativo fantástico, desde que o final tenha uma beleza inerente e um poder tremendo e, principalmente, que você tenha a habilidade de executá-lo da maneira mais adequada.

O que torna os filmes de Sean Baker tão poderosos não é apenas sua narrativa, mas também sua capacidade de levar humanidade às pessoas mais marginalizadas. Ele é um diretor que trabalha com recursos mínimos e acaba fazendo alguns dos trabalhos mais ousados e criativos do cinema moderno. Anora é mais uma prova desse talento.

Pontos de luz

Gostou deste artigo? Seja o primeiro a iluminá-lo!

Comentários 2
Bombando
Novo
comments

Compartilhe sua opinião!

Seja a primeira pessoa a iniciar uma conversa.

3
2
0
2