WFF24|Universal Language: onde o chá persa encontra o frio canadense  

Geralmente, as pessoas podem confiar no idioma e no cenário do filme para adivinhar o país , a época e até mesmo a cidade onde a história se passa. Mesmo no caso de lugares e tramas fictícias, a linguagem e a ambientação podem refletir, até certo ponto, o contexto cultural dos criadores.

Contudo, em Universal Language, esses critérios são refutados.

Este é um filme em persa, mas em vez de se passar no Irã, a história se desenvolve em Winnipeg. De acordo com a Wikipédia, 95% da população da cidade fala inglês, 2,8% fala francês e os falantes de persa provavelmente representam menos de 0,1%. A cidade tem o universal símbolo canadense Tim Hortons, porém, com uma decoração em estilo do Oriente Médio por dentro, servindo chá em vez de café.

Sem dúvida, é uma experiência de fusão cultural. Segundo o diretor Matthew Rankin, o filme apresenta tanto o estilo cinza solitário de Quebec quanto o estilo surrealista misterioso de Winnipeg, bem como o estilo do realismo poético iraniano; com esses três elementos se refletindo e refratando. Não é sobre nenhum desses lugares separados, mas, sim, sobre o entrelaçamento das três culturas.

Esse deslocamento de idioma e cenário cria uma sensação de irrealidade ao longo da trama. Em entrevista, o diretor explicou que a decisão de fazer esse filme em persa surgiu da própria vida. Ele queria usar o estilo surrealista iraniano para contar a história de sua avó: quando criança, ela também tentou recuperar dois dólares do gelo. O uso da língua persa e a escalação de atores iranianos pretendia realçar a natureza poética do filme.

Ao misturar os limites entre linguagem e geografia, a única certeza reside nas histórias que se desenrolam entre as pessoas. Do ponto de vista textual, o filme fala sobre busca e pátria. Massoud, um guia turístico e limpador de neve em meio período, está sempre levando os turistas até os locais históricos de Winnipeg. Duas irmãs procuram ferramentas para quebrar o gelo, correndo de loja em loja sem sucesso. O protagonista, Matthew, largou o emprego em Montreal para se mudar para Winnipeg, uma cidade na província de Manitoba, no Canadá. Ele parece apático, como se estivesse pronto para desaparecer do mundo a qualquer momento. As três histórias permanecem em grande parte independentes, mas parecem ocorrer em espaços semelhantes. O diretor menciona que o filme pode ser considerado uma “alucinação autobiográfica”. Embora todos os personagens sejam fictícios, eles são influenciados por suas experiências pessoais. Várias versões de Matthew Rankin estão espalhadas pela história. A crença do diretor de que “nos encontramos uns nos outros” é materializada em Universal Language.

No final da história, as pessoas não encontram o que estavam procurando no início, mas inesperadamente realizam seus desejos originais por outros meios. Matthew e Massoud finalmente passam por uma troca emocional de identidade. Matthew, depois de se tornar Massoud, devolve o dinheiro à neve. O filme termina aqui, aparentemente voltando ao início. À medida que as três histórias convergem, os espectadores percebem que todos os personagens estão interligados. A falecida professora de francês da primeira cena é a passageira que fala com Matthew no ônibus; a mulher que ganha no bingo ao lado de Matthew é a esposa de Massoud, e eles se encontrarão novamente. Os filhos de quase todos os personagens adultos são colegas da escola francesa. Como rios, eles parecem independentes, mas acabam fluindo juntos.

Enquanto eu assistia ao filme, experimentei uma sensação de irrealidade e gostei disso. A loja de perus, a loja de tecidos e a farmácia parecem cenários surrealistas. No entanto, em comparação com o trabalho anterior do diretor, The Twentieth Century, parece muito mais realista. Os personagens e os diálogos são fiéis à vida. A atuação das duas crianças, em particular, representa a única inocência pura em um mundo absurdo, dando continuidade à tradição de personagens infantis vistos em filmes iranianos desde Filhos do Paraíso. Elas são como duas pequenas chamas ainda acesas em um ambiente desolado, correndo pela neve e conectando todos os personagens da história. Elas também trazem pessoas como Matthew, que parecem estar se distanciando lentamente da realidade ou caindo no niilismo, de volta à realidade. Pelas suas perspectivas, todos na história estão interligados. Assim, o que inicialmente parecia um vasto e solitário espaço urbano torna-se apenas um parque infantil para as crianças depois da escola. Nesse parque, as pessoas transcendem a identidade e o preconceito, necessitando umas das outras e lutando contra a solidão da vida.

O diretor diz que Universal Language está relacionado à sua experiência de solidão durante a pandemia da COVID-19. Acho que qualquer pessoa que vivenciou a pandemia pode se identificar com o filme. Isso me faz admirar ainda mais Matthew Rankin, por conseguir destilar uma história tão calorosa a partir de momentos solitários e absurdos, ainda que com um toque de solitude. O mundo continua vasto e isolado, mas devido à nossa linguagem universal, já não estamos mais tão sozinhos.

Entretanto, ainda há algumas cenas que não consegui entender. No final da história, quando os personagens se reúnem na casa de Massoud, a porta é aberta por ventos fortes e as mulheres retiram camadas de roupas congeladas. Esse momento pareceu misterioso e intrigante para mim, quebrando instantaneamente a sensação de realidade no espaço interno e levando a história a um estado onírico. Se eu tivesse chance, gostaria muito de perguntar a Matthew Rankin o que ele pretendia transmitir com essa cena.

Tudo bem se eu não conseguir respostas do diretor. Espero que mais pessoas tenham a oportunidade de assistir ao filme. Assim, talvez eu possa esclarecer minhas dúvidas por meio de diferentes interpretações.

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