Vi "Anora" com meus pais conservadores e OLHA NO QUE DEU! 

Acredito que antigamente era mais fácil de saber apenas pelo título qual filme você deveria assistir escondido dos seus pais. "Querida, Encolhi as Crianças" me parece tranquilo pra ver em família num sábado a tarde comendo macarronada e dividindo a atenção do filme com o grito do irmão mais novo no quarto ao lado jogando videogame. Agora, "Loverboy: O Garoto de Programa" já não me parecia tão apropriado pra isso. Inclusive, vale o adendo que esse filme de 1989 conta a história de um entregador de pizza que vira acompanhante de mulheres. A minha dúvida é se 99% dos filmes adultos que abordam essa mesma narrativa vieram antes ou depois dessa obra de arte.

Chegando aos anos 2000, ficou ainda mais fácil assistir uma comédia pastelão e se deparar com uma cena imprópria para menores. A franquia "American Pie" é a maior prova disso. O filme criou uma geração de jovens homens héteros que emitem sons primitivos ao primeiro sinal de um mamilo feminino. Tampado ou não. Esses mesmos eternos adolescentes certamente entraram na atlética de suas respectivas universidades e em algum momento reproduziram uma cena clássica do filme. Você deve ter pensado em alguém enquanto lia tudo isso, eles são todos iguais. O grande plot twist aparece quando esses seres humanos crescem e, sem nenhuma explicação lógica, tendem a se transformar nas pessoas mais moralistas ao mesmo tempo que seguem compartilhando desse humor "Stifleriano".

Se antes peitos, bundas e sexo eram imagens agradáveis de se ver nos filmes gratuitamente, hoje essa galera já parece se sentir afrontada a alguma regra a qual desconhecemos quando belos corpos (reais ou não) aparecem na telona. Essa maneira exagerada de lidar com a nudez é o que aproxima a minha geração da geração dos meus pais. Meus pais viveram a ditadura e a contracultura, gostavam de Secos e Molhados, Sidney Magal e não perdiam a Discoteca do Chacrinha. Ou seja, a sacanagem brasileira sempre esteve enraizada. Marchinhas de duplo sentido, piadas de cunho sexual, de vez em quando uma escapada de alguma parte do corpo durante muitos churrascos assistindo Banheira do Gugu, tudo isso era naturalizado no cotidiano.
https://www.youtube.com/watch?v=Uu5eaPtrIx8
Meus pais nunca foram conservadores de direita, pelo contrário, sempre estiveram envolvidos em causas sociais mas a sombra da moral e dos bons costumes sempre esteve por perto. Nesse contexto que chegamos em 2025 e o hype do Oscar ainda não abaixou. Meus pais ficaram empolgados com tanta emoção sobre a vitória de “Ainda Estou Aqui” e derrota de Fernanda Torres que sentiam a necessidade de ver todos filmes pra comprovar se era justo o resultado.

Começaram por "A Substância", um dos melhores filmes dessa temporada de premiação mas que soaria completamente diferente de muita coisa convencional que eles costumam assistir. Minha mãe saiu antes da metade do filme. Preferiu ouvir orações online por achar nojentas as cenas de aplicação. Já meu pai, assistiu até o final e gargalhando de uma maneira muito bonita. O sorriso liberava um brilho no olhar daqueles que só quem está vivendo um processo nostálgico de boas lembranças consegue atingir. Dito e feito! "Lembrei do filme A Mosca que eu via quando era criança" e assim desencadeou vários minutos de histórias das vezes que ele foi assistir "A Mosca" e terminou com um empolgado "é bom mas nojento demais, é sangue pra todo lado"! Realmente, é muito provável que "A Mosca" estava no power point de referências da Coralie Fargeat ao escrever e dirigir "A Substância" mas além do show de sangue e criaturas bizarras, outro grande ponto de encontro entre os filmes é a ótima escolha de trilha sonora. Uma mais comercial que a outra mas as duas muito marcantes.
https://www.youtube.com/watch?v=tu2EXuYdZQg
Chegou o grande momento dos meus pais assistirem "Anora". Eu estava preocupado porque o grotesco é mais fácil de digerir do que o sexo para pais relativamente conservadores. Por todo o tabu sobre o tema, não sabia como iriam receber aquela história de "Uma Linda Mulher" com “Bruna Surfistinha”.

Começa o filme, as primeiras cenas na casa de promiscuidade revelam aquilo que a casa é, promíscua. "Vixi, Maria", disse minha mãe. "Eita", exclamou meu pai. A partir daí, um constrangedor silêncio tomou conta da sala durante as 2 horas e 20 de filme. Eu já tinha visto o filme no cinema e ri das mesmas piadas de novo enquanto eles não riram de nada. Olho de canto de olho pro rosto dos dois, os olhares eram os mesmos que eu fazia durante uma prova de física no ensino médio. Aquele olhar de quem não tá entendendo nada e tem certeza que preferia estar em casa vendo Dragon Ball Z.

Ao final do filme, meu pai manda a clássica frase de comentários incel sobre "Anora" que dominou as redes sociais: "Então quer dizer que qualquer filme pornográfico brasileiro pode ganhar o Oscar". E olha que ele nem tem nenhuma rede social! Não consigo nem culpar o Elon Musk pelo argumento. Minha mãe se mostrou mais interessada em compreender tudo aquilo que ela viu, tentei explicar dizendo que existiam complexidades maiores na personagem e que as cenas sexuais não eram gratuitas. "Eu não paguei nada por isso e pornô também é tudo de graça", disse meu pai claramente desconhecendo que até a sacanagem online é vendida hoje em dia. Minha mãe deu um voto a mais, disse que agora entendeu melhor mesmo achando desnecessárias as cenas de sexo e sem achar as piadas engraçadas, meu pai continuou achando um absurdo o que tinha visto e foi nessa hora que meu irmão saiu do quarto e reclamou: "Não tem nada pra comer nessa casa" antes mesmo de chegar até a cozinha pra saber. Meu pai foi atrás emendando: "Você não sabe o filme que seu irmão fez a gente ver agora..."

E assim foram horas e horas de discussão e críticas cinematográficas que fariam inveja ao pessoal do Choque de Cultura. No mais, eles continuaram achando injusta a derrota da Fernanda Torres. Assim como eu. E assim como meu irmão que nem viu os outros filme. Ponto pro cinema brasileiro! E olha, um beijão pra você!

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