Sobrenatural como você nunca viu: 4 séries que fogem da fórmula tradicional

Spoilers

Se você, assim como eu, nasceu nos anos 90 ou no começo dos anos 2000, é provável que tenha crescido rodeado de séries sobrenaturais. Desde Buffy, A Caça Vampiros (1997) passando por Supernatural (2005) a The Vampire Diaries (2009) — ou a cancelada cedo demais The Secret Circle (2011) e a questionável Riverdale (2017) —, a televisão trouxe narrativas de tirar o fôlego sobre o que vai além do mundano. Infelizmente, certos gêneros acabam perdendo popularidade e desaparecendo das telinhas.

A perda de interesse nessas histórias não é apenas um caminho natural da maturidade — tal gênero é comumente associado com audiências teens e jovens-adultas —, mas um reflexo do desgaste dessas produções sobrenaturais com fórmulas repetitivas que perderam a graça. Recentemente, tive o prazer de voltar a assistir a uma série que marcou o fim da minha adolescência e me motivou a produzir este artigo. Portanto, aqui vai a boa notícia: existe sobrevida no sobrenatural e posso provar com 4 séries não tão conhecidas que irão reacender a sua paixão por essas histórias! Confira:


A Discovery of Witches (2018)

Começando por aquela que inspirou este texto. Essa produção britânica é baseada na trilogia de livros All Souls da autora Deborah Harkness, que também atua como produtora executiva da série — assim como deveria ser com qualquer obra adaptada. A série apresenta a historiadora Diana Bishop (Teresa Palmer), que está escrevendo seu nome na Academia graças aos seus estudos sobre Alquimia. Ela também é uma bruxa, mas renega os poderes instáveis devido à trágica morte dos pais. Ao realizar uma pesquisa sobre manuscritos antigos na Universidade de Oxford, acaba encontrando o Ashmole 782, o livro sobre a origem das criaturas sobrenaturais, e quebrando seu feitiço. A magia é sentida por bruxas, vampiros e demônios — as espécies que vagam secretamente entre humanos — e a atenção desnecessária voltada para Diana coloca sua vida em perigo. O manuscrito pode ser a chave para destruir as criaturas da noite e, até mesmo, explicar o porquê das bruxas estarem cada vez mais fracas. Entre essas criaturas, está o vampiro milenar Matthew Clairmont (Matthew Goode), sendo a outra metade da laranja no romance proibido que serve como Norte para a história.

A Discovery of Witches é uma obra que li na adolescência e tornou-se um caso excepcional: foi a primeira e única vez que preferi uma adaptação audiovisual à sua história original. Misturando uma cultura sobrenatural diferente de tudo o que já vi, a narrativa aborda segregação racial, lealdade e família, enquanto apresenta o romance que é o pilar da trama. Teresa Palmer e Matthew Goode entregam química e um entendimento profundo sobre as dores de seus personagens. O relacionamento entre uma bruxa — a mais poderosa, diga-se de passagem — e o vampiro de uma família importante não é somente contra a lei, mas capaz de causar um efeito dominó que pode redefinir o mundo sobrenatural, o que vai contra os interesses daqueles que desejam manter a ordem para permanecer no topo da cadeia alimentar — como uma clara analogia à política dos humanos.

Teresa Palmer e Matthew Goode em material promocional/Reprodução: Netflix.

A fotografia de tirar o fôlego, os detalhes dos cenários e o figurino compensam os efeitos especiais abaixo da média — nunca viu uma série de vampiros sem caninos pontiagudos? Acredite, é possível. Porém, há um claro aumento de investimento a partir da 2ª temporada, quase como se grande parte da equipe técnica por trás tivesse sido substituída. Ainda, as aventuras de Diana e Matthew não atravessam apenas belas paisagens europeias da modernidade, mas também o tempo. Sim, a série leva a audiência a conhecer o mundo sobrenatural de 1590 e, a partir daí, a trama somente se enriquece. É em meio à caça às bruxas e aos campos queimados pela guerra que Diana descobre quem realmente é — tal transformação é primorosa de se testemunhar — e onde Matthew finalmente entende se é o meio que faz o Homem. Para completar, o elenco secundário a favor do casal também possui plots interessantes e, sinceramente, os antagonistas da trama são tão bons no que fazem que não consigo pensar em outra série do gênero que me fez detestar tanto os seus personagens — isso é um elogio!

Siren (2018)

Esqueça a produção australiana H2O: Meninas Sereias (2006) e o clássico A Pequena Sereia (1989), aqui essas criaturas são as verdadeiras predadoras do oceano. Sanguinárias, hostis e vingativas, elas não tinham interesse no mundo humano… Até seu habitat natural ser ameaçado. A série da Freeform é, principalmente, uma história sobre conservação ambiental e os desafios de convívio entre diferentes espécies. O rosto da trama é Eline Powell, intérprete de Ryn, uma sereia que — não por vontade própria — troca sua cauda por pernas na cidade costeira de Bristol Cove, nos EUA.

O misticismo é uma parte intrínseca da cidade que sobrevive da pesca e do turismo. O genocídio das sereias por bravos pescadores é mais do que folclore, mas a razão pela qual alguns temem o mar, e outros querem desvendá-lo. Ben Pownall (Alex Roe) é o protagonista um tanto sem-sal da trama, descendente direto do líder que expulsou as sereias das águas da região — se você acreditar na história contada de geração em geração. Em uma situação que só pode ser descrita como karma, quando quase atropelou uma desconhecida e decidiu ajudá-la, ele descobre que todo mito tem um fundo de verdade. Pelos olhos de Ryn, conhecemos o mundo humano, desde os desafios para o entendimento da língua — as sereias não se comunicam verbalmente — às maravilhas da tecnologia e aos perigos e à ganância dos homens.

Reprodução: Freeform.

É impossível contar essa história sem outra personagem, a bióloga Maddie Bishop (Fola Evans-Akingbola) — não, ela não tem ligação com a protagonista de A Discovery of Witches —, que é o par romântico de Ben. Juntos, os três exploram um tema considerado tabu por muitos: relacionamentos poliamorosos. Entre idas e vindas, sempre girando em torno de Ryn, Siren também se mostra uma história sobre amor e família.

Fola Evans-Akingbola como Maddie Bishop/Reprodução: Freeform.

De fato, o conjunto da obra encanta como se o Canto da Sereia de Ryn estivesse hipnotizando a audiência. Uma vez que você conheça Bristol Cove, apenas o mar será mais fascinante e difícil de deixar para trás. Os efeitos visuais de qualidade — as sereias são mais do que suas caudas, há uma transformação completa — as cenas noturnas, as figuras femininas poderosas que constroem a narrativa… Tudo culmina numa atmosfera de mistério impossível de resistir. Talvez Hollywood não tenha tanto interesse em investir em histórias focadas nas encantadoras sereias da nossa infância, mas a versão predadora delas certamente é muito interessante.

Carnival Row (2019)

Falando em histórias da minha infância que ganharam versões dark fantasy, nenhuma criatura sobrenatural me encanta tanto quanto as fadas — graças à minha paixão pelo desenho O Clube das Winx (2004). Um tanto quanto negligenciados em produções audiovisuais do gênero, os seres feéricos ganharam a sua vez quando o Prime Video decidiu investir em uma série onde fadas, trolls, faunos, humanos e outras criaturas convivem ou, melhor, se toleram. Em um cenário neo-vitoriano, a produção apresenta o Burgo, capital da República, que viu uma drástica transformação com a chegada de refugiados feéricos e outras criaturas que fugiram de zonas de guerra além do horizonte. Após perigosas viagens de navio em busca de recomeço, esses imigrantes acabaram em contratos de trabalho análogos à escravidão, passando seus dias realizando serviços que os humanos não querem e suas noites enclausurados no Carnival Row — um bairro periférico às margens do rio, onde as criaturas ocupam cada beco e residência caindo aos pedaços.

É uma série de assassinatos de criaturas que serve como pontapé inicial para um reencontro devastador. Anos atrás, no auge da guerra, a fada Vignette Stonemoss (Cara Delevingne) se apaixona por um combatente humano, Rycroft Philostrate (Orlando Bloom), que ela acredita ter falecido. Porém, é claro, ele está vivo e é responsável por investigar as mortes em questão. A partir daí, ao se reencontrarem, os dois precisam enfrentar tanto os perigos do presente quanto mistérios do passado para impedir uma guerra civil no meio do Burgo. Carnival Row é uma analogia poderosa à crise de imigração e ao racismo, mostrando como o poder concentrado em poucos somado ao medo do desconhecido pode mudar a trajetória de tantos. As criaturas encontram preconceito, fetichismo, tentativas de aculturação e censura. Você pode substituir os faunos, trolls e fadas por literalmente qualquer povo em situação de deslocamento forçado na nossa realidade. A narrativa é inteligente exatamente por isso: se a sociedade não prestar atenção nas denúncias feitas em jornais e depoimentos nas redes sociais, talvez ouçam se essas histórias forem convertidas em um mundo fantasioso. Afinal, a arte imita a vida.

Orlando Bloom e Cara Delevingne em material promocional/Reprodução: Amazon.

Mais do que acompanhar Philo e Vignette tentando desvendar os assassinatos e navegando a sociedade quando olhos curiosos começam a se voltar para eles, Carnival Row me conquistou por uma narrativa secundária que mostra o outro lado: Sr. Agreus Astrayon, brilhantemente interpretado por David Gyasi, foge da regra. Ele é um fauno que conseguiu escapar das garras da sociedade humana que tenta impedir as criaturas de progredirem no Burgo. Ao se tornar muito rico, se muda para uma das residências mais suntuosas do bairro humano Finisterre Crossing, causando revolta de seus vizinhos abastados. Não importa o quanto tente se parecer com eles fora de casa, Agreus não é bem-vindo. Porém, aos poucos, ele acaba quebrando as barreiras da humana Imogen Spurnrose (Tamzin Merchant), e isso só poderia resultar em um dos meus casais favoritos.

David Gyasi e Tamzin Merchant como Agreus e Imogen/Reprodução: Amazon.

Carnival Row também não economiza em detalhes artísticos. Particularmente, a série possui uma abertura sensacional, daquelas que é impossível pular, e há cenas que vale a pena pausar para apreciar os detalhes dos cenários. Em uma decisão inteligente, a produção investiu em asas físicas ao invés de somente digitais. Quando as fadas não estão voando, as delicadas asas se movimentam levemente junto ao andar dos atores, o que traz realismo. Essa também é a palavra-chave para a maquiagem das outras criaturas: chifres que se fundem perfeitamente à pele, pernas não-humanas, olhos sobrenaturais… Protagonista ou figurante, o rigor foi o mesmo para a caracterização de todos — e só resta torcer por mais produções assim.

Cidade Invisível (2021)

E se as lendas da sua infância estivessem escondidas em toda parte? A última produção da lista é Cidade Invisível, uma série brasileira original Netflix, porque não poderia faltar um pouco de brasilidade aqui! Entre o anúncio de produção e o lançamento, houve demora e apreensão, mas, felizmente, não foi um daqueles casos de “era bom demais para ser verdade”. A história mistura o nosso rico folclore a um toque de modernidade, colocando figuras como Cuca, Saci Pererê e Curupira como pessoas que você poderia esbarrar no metrô ou no mercado. Entretanto, por mais que esses mundos se esbarrem, a colisão direta não deveria acontecer.

Para o protagonista Eric, interpretado por Marcos Pigossi, tudo isso não basta de histórias contadas para crianças dormirem ou para assustar amigos em volta de uma fogueira. Afinal, o que realmente lhe assombra é a morte de sua esposa, Gabriela (Júlia Konrad), após um misterioso incêndio em uma área de preservação. Originalmente sem respostas, ele ganha fôlego — com um toque de obsessão — quando, sem saber, acaba interferindo em assuntos de um reino subterrâneo e as respostas para tantas perguntas podem finalmente estar ao seu alcance.

Alessandra Negrini como Cuca/Reprodução: Netflix.

Por mais que eu adore o trabalho de Pigossi, alguém que se tornou um rosto bem conhecido no mercado audiovisual internacional, e não consiga imaginar outro ator no papel do detetive, o verdadeiro brilho de Cidade Invisível reside justamente em suas criaturas. A atuação de Alessandra Negrini como Cuca é simplesmente magnetizante. Ela traz o misticismo com um toque de vilania, sendo caracterizada de tal forma que rouba toda e qualquer cena. Isso se estende à Iara (Jessica Córes), outra figura folclórica de destaque na trama — e um tipo totalmente diferente de sereia daquele abordado em Siren.

Jessica Córes como Iara/Reprodução: Netflix.

Dissertando sobre conservação ambiental, a riqueza do nosso folclore e, também, comunidade e família, Cidade Invisível é o tipo de produção que nos faz querer gritar no meio da rua: viva o Brasil e viva a cultura nacional!


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