
Eu sinto que eu tinha uma espécie de “dívida cinéfila” com Challengers. Todo mundo falava absurdamente bem desse filme, eu gosto de outros trabalhos do diretor, sou apaixonada pela Zendaya, mas por algum motivo, nunca conseguia parar para ver esse filme. Foi assim que um dos filmes de maio foi essa explosão de tensão e tesão em tela. É um filme de assinatura, e não deixa dúvidas: Luca Guadagnino transa. Só que, dessa vez, ele entrou na quadra com tênis, suor, desejo e destruição emocional.
Challengers não é só um filme sobre esportes. Não é só um triângulo amoroso. Não é só mais uma história de obsessões entrelaçadas. O longa é erotismo coreografado. É amor como jogo. É tênis como guerra. É cinema com libido. Juro, esse filme é uma explosão de sensualidade coreografada com precisão milimétrica. O desejo está embutido em cada smash. Luca Guadagnino não dirige esse filme - ele provoca, sussurra no nosso ouvido e depois grita no meio da quadra.
Com esse filme, o diretor transforma uma partida de tênis em uma arena de pulsões reprimidas. Cada saque é um flerte. Cada troca de olhares é um abismo. Cada ponto perdido é uma microtragédia grega. E no centro dessa tempestade está Zendaya, no papel mais poderoso, afiado e deliciosamente manipulador de sua carreira. Ela é Tashi Duncan, ex-jogadora prodígio, agora técnica implacável. E digo “implacável” com a reverência de quem viu uma mulher destruir dois homens com um sorrisinho. Tashi não joga mais nas quadras, mas comanda o jogo por fora delas com uma inteligência calculada, uma sensualidade magnética e uma frieza que beira o cruel. Zendaya entrega tudo. Corpo, olhar, voz, presença. Cada gesto dela é uma tese sobre controle.

Tashi é o epicentro de um vórtice afetivo que envolve dois homens: Art (Mike Faist), seu marido, o golden retriever esforçado e traumatizado, e Patrick (Josh O’Connor), o bad boy do tênis, ex-amante, ex-amigo, e eterno caos em forma humana. Entre os dois, existe uma relação que desafia rótulos. É rivalidade, é amor, é recalque, é saudade, é inveja, é desejo. É tudo ao mesmo tempo, e Guadagnino filma isso com uma intensidade quase pornográfica, e não falo isso pelo sexo explícito, mas pela carga emocional que se infiltra em cada diálogo truncado, cada troca de olhares cheia de história, cada toque aparentemente casual.
O roteiro de Justin Kuritzkes é uma joia. A estrutura não linear brinca com o tempo como quem troca de lado na quadra: estamos no presente, saltamos para o passado, voltamos ao presente com novas camadas de significado. Nada está ali por acaso. Cada cena serve ao drama central de forma matemática, mas com o sabor de algo perigosamente instintivo. O texto é afiado como uma raquete nova. Os diálogos cortam, provocam, escorregam, dominam.
E aí vem o outro protagonista do filme: o corpo. Guadagnino já tinha mostrado em Me Chame Pelo Seu Nome e Suspiria que ele sabe filmar o corpo humano com reverência e tesão. Em Challengers, ele eleva isso a outro nível. O tênis vira dança. A quadra vira campo de batalha e cama desfeita. Cada movimento dos jogadores é carregado de energia sexual. Os corpos deslizam, caem, colidem, suam. A câmera gira, gruda, flutua. É impossível sair ileso.
A tensão sexual entre os três é quase insuportável — mas de um jeito bom, suado, intoxicante. O diretor constrói uma atmosfera onde tudo vibra. O silêncio tem mais peso do que um grito. Uma mão encostando em outra tem o impacto de uma transa. E quando o beijo finalmente acontece (porque é claro que vai acontecer), ele tem o peso de uma vitória e o gosto de uma derrota.

A trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, do Nine Inch Nails, é um personagem à parte. Esqueça os climas etéreos de A Rede Social ou Soul. Aqui eles entregam um eletropunk nervoso, suado, lascivo, que pulsa como batimento cardíaco no match point. É uma música que parece suar com os personagens. Que acelera quando o jogo esquenta e que para de repente, deixando o silêncio gritar. (Eu ainda não consegui engolir que tenham levado apenas o Globo de Ouro pra casa - sim Oscar e seus mil prêmios para Emilia Perez, eu estou olhando pra você).
A fotografia é vibrante, mas nunca exibicionista. Cada cena é composta com cuidado, mas sem parecer artificial. A quadra, o hotel decadente, os corredores dos torneios, tudo exala desejo e desgaste emocional. Os tons quentes, o close nos rostos tensos, as luzes ofuscantes: tudo conspira para criar esse universo onde o tênis é só uma desculpa para falar sobre poder, ego e o eterno desejo de ser amado — ou, pelo menos, de vencer.
A direção de Guadagnino nunca foi tão ousada, tão sexy e tão afiada. Ele tem domínio completo da narrativa, mas deixa espaço para os personagens respirarem. E esse respiro é sempre cheio de tensão. Challengers não entrega respostas fáceis. Não existe um "certo" e um "errado". Não tem vilão, nem mocinho. Tem desejo. Tem ressentimento. Tem gente perdida tentando ganhar um jogo que já acabou faz tempo — mas ninguém quer admitir, e é exatamente nesse momento que está a genialidade do filme. Aqui vamos tratar sobre o depois. Depois da paixão. Depois da glória. Depois da queda. É sobre viver com as escolhas — e os impactos e consequências delas. Sobre seguir jogando mesmo quando o corpo não aguenta mais. Sobre o que acontece quando o amor vira competição e o sexo vira estratégia.

As atuações são realmente um show a parte. Mike Faist está ótimo como o marido emocionalmente devastado que tenta manter o controle. Josh O’Connor, com seu charme relaxado e um olhar de quem já perdeu tudo mas ainda sorri, entrega uma performance que transita entre o cafajeste adorável e o menino ferido. A miscelânea de emoções que vamos sentindo, principalmente em relação a ele, o rancor, o desejo, a mágoa, a ferida que ainda está aberta após tantos anos. Mas ninguém encosta em Zendaya. Ela domina o filme com um magnetismo assustador. Se existisse justiça, esse papel teria garantido a ela todos os prêmios da temporada (ou ao menos indicações!!!).
E o final? Sem spoilers, mas Guadagnino entrega uma última cena que é uma metonímia perfeita do filme inteiro: ambígua, carregada, suada, erótica, violenta e sutil. Um momento que não grita, mas ecoa. Um movimento que diz mais do que um parágrafo inteiro. Um fecho que parece uma nova partida. Challengers é um filme que te deixa suando, ofegante, confuso e profundamente vivo. É um espetáculo de corpos e emoções, de raiva e tesão, de dor e beleza. É Luca Guadagnino jogando com a gente como Tashi joga com seus dois homens: com carinho, com crueldade, com maestria.
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