Nos últimos anos, a televisão brasileira caiu numa ilusão de que não valeria a pena investir em programas humorísticos. A comédia ficou restrita a pequenos quadros dentro de realities, a praça do incansável Carlos Alberto de Nóbrega e aos seriados do Multishow que são reprisados pela TV Globo. Bem diferente dos primórdios televisivos com Ronald Golias, Chico Anysio, Jô Soares, Paulo Silvino, Trapalhões e tantos outros que povoavam a grade de programação com suas piadas ou nos anos de 2010 onde vivemos o auge do Pânico na TV, CQC, Comédia MTV, 15 Minutos e toda uma cena de comédia de improviso e stand up brasileira que dominava os bares e começava a aparecer pro público de televisão aberta.
Como num passe de mágica, o circo sumiu. Toda essa ostentação humorística foi se esgotando ao mesmo tempo que a comédia nunca deixou de ser consumida e repercutida nas raras oportunidades em que abriam espaços para ela ressurgir na telinha. Quem sempre soube ocupar com muita maestria toda vaga que era ligeiramente aberta foi Paulo Vieira.
Em 2017, dentro do "Programa do Porchat" na TV Record lançou o quadro "Emergente Como A Gente", que por si só já é uma ousadia brasileira estrear um quadro de esquete longo dentro de um formato de talk show. O “Emergente” contava histórias sobre uma família de baixa renda se envolvendo em confusões com gambiarras, tretas familiares e tentativas frustradas de ascensão financeira narradas pelo próprio Paulo Vieira num esquema parecido com “Retrato Falado” da Denise Fraga no clássico quadro que bombou no “Fantástico”. Parece uma ideia simples pra uma comédia brasileira mas o charme do "Emergente" vinha do texto primoroso e das intervenções surreais que aconteciam durante a história. Desde a família sendo parte de uma novela bíblica da Record até as personagens voando pelo espaço sideral após o cartão ser negado em uma compra. Era humor popular que a televisão pedia? Tava lá. Humor moderninho pra virar corte e ser papo na mesa de bar da Vila Madalena? Pois bem, Paulo Vieira entregou e entregaria muito mais. Esse surrealismo misturado com o popular fez o quadro ser um destaque até o final do "Programa do Porchat".

Anos se passaram e a TV Globo resolveu criar uma bomba no horário da tarde pra substituir o “Vídeo Show”", um tal de "Se Joga", apresentado por Fernanda Gentil, Fabiana Karla e Érico Bras, um programa que poderia ser um completo desastre se não fosse pelo quadro do Paulo Vieira, "Isso É Muito Minha Vida". Uma versão 2.0 do "Emergente" com mais estrutura e um novo elenco, incluindo o genial Igor Guimarães no papel de Calazar, o cachorro mal humorado da família com a personalidade muito parecida com Brian Griffin, o cachorro da série animada "Family Guy".
Outro destaque de "Isso É Muito Minha Vida" foi a abertura que durou pouco. Eram intervenções em obras de arte, como um cabide no Abaporu ou o rosto dos Trapalhões no Operários da Tarsila do Amaral. Acredito que essa abertura tenha durado pouco tempo no ar pela óbvia questão de durar um minuto dentro de um esquete que durava seis mas era divertida.
No episódio sobre Finados, Paulo encerra com a participação super especial de Eduardo Dussek, clássico cantor dos anos 80 conhecido pelas suas letras irônicas e por sua atitude corajosa durante toda a carreira, apresentando um musical sobre ninguém merecer reencarnar pobre. Acredito que essa tenha sido a última aparição do Dussek antes do agravamento do Parkinson.
Como já era de se esperar mas jamais pela culpa de Paulo Vieira, o programa "Se Joga" acabou junto com seu quadro. Eis que alguns anos e tweets viralizados depois, surge "Pablo e Luisão", série disponível na Globoplay com a mesma essência dos outros dois projetos que citei aqui. É como se "Emergente Como A Gente" fosse o Pichu, "Isso É Muito Minha Vida" era o Pikachu e agora "Pablo e Luisão" é o Raiuchu na evolução da trilogia cômica familiar de Paulo Vieira.
Dessa vez contando casos de sua vida, não que fosse diferente nos outros quadros, mas agora temos nome, sobrenome e até depoimentos hilários dos personagens reais que protagonizaram essas deliciosas histórias. Claro, aqui só é possível utilizar o termo "deliciosas", pois sou um mero telespectador. Imagino que não tenha sido nada fácil lidar com um bairro inteiro dando choque por conta de uma cerca elétrica mal colocada ou com um banheiro na rua que é atacado diariamente por crianças afim de cometer bullying com quem defecava por lá. Ao final de cada episódio, temos “Os Reais”, um momento de conversa entre os verdadeiros Pablo, Luisão e Conceição com Paulo sobre a história que acabou de passar. A vontade que dá é de passar uma tarde inteira naquela mesma posição do Paulo, sentado trocando uma ideia com essa família tão engraçada. A frase “não imaginava que o Paulo tontinho do jeito que era viria pra São Paulo” dita pelo verdadeiro Luisão me quebrou demais, um elogio lindo desses encerra um dos melhores episódios da série que é da suspeita de Paulo usar drogas.
A série conta com um elenco digno de fazer inveja pra qualquer diretor, Dira Paes, Aílton Graça, Otavio Muller e o próprio Paulo Vieira estão impecáveis num show de carisma junto com as crianças que interpretam Paulo Vieira e seu irmão Neto na infância.
A trilha sonora também é uma escolha muito acertada desde o som de Genésio Tocantins, artista que não conhecia e não é a toa que está na abertura, basta ouvir a música e entender que ela é a cara de toda a obra que virá a seguir, até um "Heavy Metal do Senhor" do Zeca Baleiro tocado no momento em que Miguel Falabella brilha interpretando um padre trambiqueiro.
Se Paulo Vieira presta uma homenagem para sua família com essa série, o clima de grande condecoração ronda cada episódio pelas participações especiais. Ver Solange Couto, Miguel Falabella, Rodrigo Fagundes, Welder Rodrigues e tantos outros atores e atrizes brilhando em suas aparições remete a um clima de celebração da comédia nacional.
"Pablo e Luisão" é baseado em fatos reais difíceis de acreditar ao mesmo tempo que assisti pensando "meu pai seria capaz de uma coisa dessas". É surreal mas facilmente identificável com quem viveu numa família mais simples. Isso tudo porque Paulo Vieira sabe muito bem que quanto mais profundo você fala de si, mais fala do mundo. E fala de igual pra igual, sem parecer prepotente ou considerando que aqueles personagens vivem em um lugar muito abaixo do seu, até porque Paulo realmente teve aquele cotidiano. Digo isso por acreditar que o maior problema dos grandes diretores de televisão hoje em dia é subestimar seu público, viver longe de quem assiste ou não consumir aquilo que produz, a frase "Dona Maria não vai entender isso" é algo que já ouvi diversas vezes nos últimos cinco anos e trabalho em televisão há dez, ou seja, posso afirmar que essa preocupação não era pauta durante um bom tempo. Existe um empobrecimento criativo quase preguiçoso que, graças aos deuses do entretenimento, parece que está sendo quebrado aos poucos com figuras como Paulo Vieira.
Chico Barney, colunista do UOL, diz que "Pablo e Luisão" pode salvar a televisão brasileira, eu acredito que também pode ser um farol. Uma luz que aponta e faz enxergar que o futuro é a ousadia criativa e o bom humor sem medo de ser feliz.
Compartilhe sua opinião!
Seja a primeira pessoa a iniciar uma conversa.