
Lembro até hoje da primeira vez que assisti A História Sem Fim numa fita VHS riscada (e eternamente traumatizada com a cena do cavalo na areia movediça). A textura granulada, as criaturas animatrônicas, a sensação de que a floresta escondia segredos se eu prestasse bastante atenção. A Lenda de Ochi sintoniza exatamente nessa frequência - e faz isso com plena consciência. Mas a nostalgia, como sabemos, pode ser tão encantadora quanto enganosa.
Estreando no Festival de Sundance 2025, o primeiro longa de Isaiah Saxon não perde tempo com apresentações. Em vez disso, nos joga direto numa caçada noturna em uma floresta mítica, embalada por uma fotografia em chiaroscuro, tochas tremeluzentes e criaturas animatrônicas conhecidas como Ochi. A sequência inicial tem um impacto direto no peito. O cuidado técnico é inegável: a imagem é hipnotizante, a trilha é dramática, a montagem é afiada. Você não apenas assiste, você entra no universo.
Mas, passada a euforia inicial, a narrativa começa a fraquejar.
Não que a história seja ruim. Ela apenas parece... tímida. Acompanhamos a jovem Yuri (vivida por Helena Zengel) e seu pai estoico e levemente perturbado, Maxim (um Willem Dafoe em ótima forma), em uma trama de conflitos familiares, criaturas míticas e sobrevivência — tudo ambientado num mundo feito à mão com carinho. As referências são claras: Spielberg com seu E.T., Jim Henson com O Cristal Encantado, e até a franquia Como Treinar o Seu Dragão. Mas onde esses filmes equilibravam magia e ritmo, Ochi muitas vezes parece um videoclipe deslumbrante à procura de refrão.
Ainda assim, há alma ali. Saxon, vindo do universo dos videoclipes, injeta no filme uma curiosidade sincera sobre o vínculo entre humanos e natureza. Isso aparece nos figurinos, nos rituais, na forma como a câmera observa uma pedra coberta de musgo como se ela também estivesse nos observando. Existe fascínio, e até reverência, pelo instinto.
E então tem Dafoe, sempre magnético. Sua atuação oscila entre a ameaça e a ternura, encarnando com verdade um homem ridículo e trágico, que insiste em lutar contra uma força da natureza muito maior que ele. É ele quem ancora um filme que por vezes se perde, entregando um desfecho emocional que talvez nem soubéssemos estar esperando.
Sim, A Lenda de Ochi é mais estilo do que substância - e não tem vergonha disso. É um filme construído sobre textura e atmosfera, sobre bonecos e sombras, sobre memórias de um cinema que acreditava no encanto antes da lógica. Talvez não te deixe abalado, mas vai te arrancar um sorriso por acreditar tanto no próprio mito.
E, sejamos honestos? Isso também é uma forma de magia.
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