Seus Amigos e Vizinhos – Jonathan Tropper em outra pegada 

A produção geral de séries de TV dos últimos 25 anos tem muitos sucessos entre crítica e público, porém, não é preciso pensar muito para constatar que as narrativas mais marcantes das últimas duas décadas são mais identificáveis como dramas. E nada contra essa orientação, já que isso rendeu personagens muito mais complexos do que o público poderia esperar, então é óbvio que foi um passo largo para o conteúdo televisivo. Como as séries ganharam essa envergadura textual e investimento para competir com o cinema em termos de qualidade, também se tornou possível criar cenas de ação mais impactantes, oportunidade que Jonathan Tropper agarrou.

Mesmo com essa abertura maior, não foi uma tarefa fácil. Basta pensar em quantas séries você consegue lembrar que se destacam hoje ou se destacaram nesse quesito mais específico. Aliás, as duas que vou citar a seguir nem tiveram a devida atenção durante sua exibição, prejudicadas principalmente por não chegarem ao público que poderia se interessar. Tropper é co-criador de Banshee (2013 – 2016), série da Cinemax, antigo braço mais comercial da HBO, que fez a alegria dos aficionados pelo cinema de ação. Perdeu algo de sua força na última temporada, é verdade, mas o conjunto é mais do que digno da sua atenção. Muita gente a descobriu somente por conta da série seguinte.

Na mesma pegada de encantar um nicho específico de público, Warrior (2019 – 2023) já não teve tanta sorte, cancelada em sua terceira temporada com a trama em andamento. Iniciada dentro da mesma Cinemax, reaproveitou conceitos que Bruce Lee tentou emplacar na TV durante o fim da década de 1960. Muito mais ambiciosa que Banshee, a começar pela ambientação de época caprichada e o contexto histórico interessante per se, também se destacou pela qualidade das coreografias de luta. Ironicamente, quase ninguém falava sobre ela antes de seu cancelamento e foi descoberta por uma fatia maior da audiência ao entrar no catálogo da Netflix. Até pipocaram comentários sobre a plataforma assumir a série e terminar a história, uma esperança que já enfraqueceu muito até aqui.

Your Friends & Neighbors Finale Liberates Jon Hamm's Coop for Season 2

Acredito que as duas são casos de divulgação deficiente, sabe-se lá por qual motivo. A questão é que, para uma plateia que presta atenção em criadores e teve a oportunidade de conferi-las, caso tenha alguma intimidade com premissas de ação e artes marciais, Jonathan Tropper é um nome para ficar de olho, não é? Logo, que bom que ele tem uma série recente no catálogo da Apple TV+, plataforma que tem se mostrado hoje o oásis para criadores que a HBO já foi um dia, certo?

Na verdade, a primeira temporada de Seus Amigos e Vizinhos (Your Friends & Neighbors) é melhor apreciada sem a expectativa gerada pelo nome de seu criador. Não é uma história de ação e seu estofo é muito mais irônico e crítico – de uma forma sutil, felizmente – do que dramático, beneficiando-se enormemente do carisma de seu ator principal, Jon Hamm. A premissa é interessante, acompanhando um brilhante gestor de fundos de investimento que perde seu emprego graças a uma manobra interna desleal, levando-o a praticar roubos dentro de sua própria vizinhança abastada. Claro que essa opção leva a desdobramentos fora de seu controle, com o primeiro episódio iniciado com um gancho de perigo para que a contextualização siga em flashback.

O que se segue é a desconstrução do protagonista Andrew Cooper, antes confortável na sua posição de endinheirado e agora questionando a futilidade e a falsidade presentes em seu meio social. O tom satírico de determinadas situações não será amplamente percebido, já que sátira não significa necessariamente algo engraçado e a série sabiamente evita o abertamente jocoso nesses momentos. Mesmo acertando neste quesito, existe algo que pode incomodar muito na jornada de aperfeiçoamento criminal de Coop, que é a quase completa ausência de câmeras de segurança nessa vizinhança, seja na rua ou no interior das casas.

Official Trailer

Obviamente, é uma boa sacada que um ladrão de mansões faça parte do mesmo círculo social destas pessoas, pois descobre quem vai viajar e quando, entre outras informações. No entanto, o roteiro parece considerar aparatos de segurança somente quando é preciso criar um revés para o protagonista. Na maior parte do tempo, a facilidade com que tudo é executado beira a ingenuidade, o que me faz pensar sobre o que passa pela cabeça de quem escreve algo assim nestes momentos. Parece, mas esse é só um chute meu, que a orientação geral é investir num tipo de licença poética que serviria para evidenciar como esse mundo é frágil e essas pessoas são vulneráveis, uma impressão fundamentada pelo já citado teor crítico a esse estilo de vida.

Mesmo assim, vai de cada um aceitar essa suposta licença poética como justificativa. No meu caso, tornou-se incômodo e impossível de ignorar a partir de determinado ponto. No avançar dos episódios, a situação apresentada no piloto e sua resolução no fim da temporada também mostram incoerências, mas essas, infelizmente, não podem contar com o mesmo pretexto da falta de vigilância.

Outro ponto negativo diz respeito à presença de Jon Hamm, marcado pela figura de Don Draper na brilhante Mad Men. Não que falte competência a ele para compor um tipo que fuja de seu personagem mais famoso, ainda que ambos tenham lá suas similaridades evidentes. Hamm é uma escolha natural para esse papel pelo seu tipo físico, mas os roteiristas precisam entender que não cabe somente ao ator evitar a armadilha de lembrar o público de outra série. Existe uma situação específica e idêntica em Seus Amigos e Vizinhos, telegrafada bem antes de acontecer.

Apesar da produção bacana e bons atores, que seguram muito da nossa atenção em meio a um texto irregular, a sensação é que a força dessa premissa se esgotou em algum ponto no meio da temporada. Com uma continuação dela já a caminho, a curiosidade gira em torno muito mais sobre os malabarismos que roteiristas precisarão criar para manter a situação estabelecida interessante. Jonathan Tropper mandou piscadelas sutis para quem conhece sua bagagem, já que Coop é um apreciador de filmes de ação e aparece assistindo a alguns filmes emblemáticos, como O Grande Dragão Branco e Comando Para Matar, mas isso é só uma espécie de easter egg para um tipo de público cuja maior parte talvez nem chegue a conhecer essa série.

'Your Friends and Neighbors' Creator Jonathan Tropper Dishes on the Show's  Concept (Exclusive) - PopCulture.com

Devo dizer que também faço parte deste tipo de público e sequer sabia que Seus Amigos e Vizinhos havia sido criada por ele. Encontrei por acaso nos destaques da Apple TV+, resolvi arriscar e só reparei em seu nome nos créditos de abertura lá pelo terceiro episódio. Me entusiasmei pela iniciativa dele fazendo algo diferente, mas terminar essa primeira temporada me fez ter saudade do Tropper trabalhando para a Cinemax. Talvez você me ache injusto por julgar tanto uma série com apenas uma temporada, mas, a meu favor, basta a comparação somente com as primeiras temporadas de Banshee e Warrior.

Quem sabe a mesma Apple TV+ não banque depois um retorno às suas raízes, com investimento alto naquilo em que ele é realmente bom? Parece um sonho para os fãs do criador, depois do desprezo sofrido por ele na HBO Max. Seria uma compensação e tanto, de fato, beneficiada por um ambiente que parece preocupar-se menos com resultados de audiência e barulho em redes sociais.

Fica aqui a lição de que nem sempre é uma boa ideia sair de sua zona de conforto.

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