Estamos oficialmente na época natalina, galera!
E certamente, todos temos aquele filme favorito de Natal que adoramos rever nessa época de paz, prosperidade e, claro, muita comida na mesa e vários presentes.
No meu caso, como bom fã de filmes góticos e de CBMs, o meu filme favorito de Natal não poderia ser outro senão o conto de Natal gótico do Tim Burton: BATMAN RETURNS.
E sabe o melhor de tudo? Burton utiliza o Natal não apenas como pano de fundo decorativo, mas como um espelho distorcido de seus personagens, revelando fragilidades humanas e denunciando as contradições sociais (como todo bom filme do Batman faz) escondidas sob as luzes e enfeites de Gotham. Ele transforma Batman – O Retorno em uma fabula de Natal distorcido, gótico e profundamente psicológico.
A principal chave para entendermos que o longa é um conto de Natal invertido é o nascimento do Pinguim (interpretado por Danny DeVito). Seu prólogo funciona como uma anti-versão da Natividade: em vez do “bebê divino” celebrado, acolhido e reconhecido como um salvador, temos um bebê considerado monstruoso, cujo destino é o abandono. Jogada no rio em pleno período natalino, a criança inaugura o filme com uma pergunta profundamente incômoda: quem decide o valor de uma vida? Ao transformar a personificação do nascimento milagroso em um ato de rejeição cruel, Tim Burton distorce o mito natalino do amor incondicional e expõe a face sombria de uma sociedade que rejeita aquilo que considera “imperfeito”.
Essa subversão é reforçada ao longo do filme: o Pinguim retorna à cidade como uma espécie de Papai Noel macabro, emergindo das profundezas em vez do céu, trazendo miséria em vez de presentes, sequestrando crianças em vez de protegê-las. Ele encarna tudo aquilo que Gotham prefere esconder, o medo de ser diferente, o peso da exclusão, a ferida aberta do abandono.
E é uma escolha especialmente interessante de Burton mostrar tudo isso justamente na época do Natal, símbolo de acolhimento. Ele usa esse paradoxo para denunciar a hipocrisia de Gotham, que celebra a “boa vontade para com os homens” enquanto cria seus próprios monstros. (Os filmes do Batman sempre brilham nas críticas sociais!)
Agora vamos falar de Selina Kyle — a Mulher-Gato (interpretada por Michelle Pfeiffer), outro reflexo desse conto de Natal cruel e distorcido. Selina morre e renasce como Mulher-Gato, tornando-se outra figura natalina trágica: Sem casa própria, sem família, sem identidade. Seu renascimento não traz alegria, mas fúria; não traz perdão, mas revolta. Assim como o Pinguim, ela é produto do sistema problemático de Gotham, que menospreza mulheres inteligentes e vulneráveis e pune quem tenta reivindicar sua autonomia.
Vemos Selina vagando entre lojas vazias e telhados gelados, ecoando a sensação de abandono que o Natal costuma acentuar naqueles que se sentem invisíveis.
E no centro desses espelhos quebrados está o protagonista que todos adoramos: Bruce Wayne, o BATMAN (interpretado por Michael Keaton). Um homem rico, dono de um arsenal subterrâneo, mas que passa o Natal sozinho em uma mansão silenciosa. A riqueza não preenche suas lacunas, pelo contrário, amplifica sua condição de órfão e seu isolamento emocional. É por isso que, ao se deparar com o Pinguim e com Selina, Bruce se identifica com eles imediatamente.
Ao longo do filme, Bruce tenta repetidas vezes encontrar algum respiro emocional ou a possibilidade de felicidade, mas suas tentativas são sempre frustradas pelas feridas que carrega e pelo mundo quebrado ao seu redor. Quando se aproxima de Selina, ele reconhece nela uma alma igualmente marcada e tenta construir algo que vá além da máscara, uma chance de conexão real. No entanto, suas identidades fragmentadas, suas dores e o peso das escolhas que fizeram tornam impossível sustentar essa esperança. No fundo, o filme reforça que Bruce deseja profundamente ser feliz, deseja uma vida menos solitária, mas está preso a uma missão que o impede de pertencer a alguém. Batman é um personagem trágico, e Burton reconhece isso muito bem aqui.
Temos então: o bebê rejeitado que sobreviveu aos esgotos; a mulher esmagada pelas expectativas até se partir; o homem sem família tentando encontrar propósito no vazio. É justamente a capacidade de reconhecer suas próprias fraturas no outro que permite que Bruce faça algo profundamente natalino, mesmo em um filme tão sombrio: ele oferece empatia. Ele tenta salvar Selina. Ele tenta, de algum modo, oferecer a eles aquilo que ele mesmo nunca recebeu: alguém que veja além das feridas.
E claro, não poderia esquecer de Max Shreck, interpretado pelo sempre brilhante Christopher Walken. Shreck é, para mim, a personificação mais cruel da hipocrisia natalina que Burton denuncia. Ele veste a máscara perfeita do benfeitor de Gotham, o empresário querido que distribui presentes e doa árvores de Natal à cidade. Mas por trás disso há um homem movido apenas por ambição, ganância e autopreservação, alguém capaz de destruir carreiras, manipular a opinião pública e até matar para manter sua imagem intacta. Ele é o símbolo da caridade falsa, do “espírito natalino” usado apenas como ornamento para esconder sua corrupção.
No fim, Batman Returns não entrega redenção. Tim Burton não estava interessado nisso. A compaixão existe, mas é trágica. A esperança aparece, mas é frágil. O Natal de Burton não é o da celebração plena, e sim o dos questionamentos dolorosos: quem nós escolhemos amar? E quem escolhemos abandonar?
Tim Burton, eu tiro o chapéu para você toda vez que assisto a este filme no Natal. E acho que agora vocês entendem por que eu adoro rever essa obra — além de ser sobre um dos meus personagens favoritos.
E claro! Não posso finalizar este texto sem mencionar a fotografia INCRÍVEL e o design de produção absolutamente impecável do filme. Tim Burton transforma Gotham em algo totalmente expressionista, onde sombras se esticam como ameaças silenciosas e junto com a neve caindo, principalmente a noite, cria um clima de melancolia e medo que se persiste durante todo o filme. A fotografia de Stefan Czapsky usa contrastes fortes e uma iluminação teatral que ajuda a ressaltar o drama interno dos personagens, enquanto o design de produção de Bo Welch constrói uma Gotham que é ao mesmo tempo grandiosa e amedrontadora.
Dito tudo isso, desejo a todos vocês que leram até o final um feliz Natal e um próspero Ano Novo!




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