
No seu importante ensaio “Film Bodies: Gender, Genre, and Excess”, Linda Williams propõe uma análise comparativa de três gêneros cinematográficos frequentemente considerados “baixos” ou “excessivos” — a pornografia, o terror e o melodrama. Ela argumenta que todos compartilham um foco no corpo em estado de excesso, tanto no que é mostrado na tela quanto nas reações físicas que provocam no espectador. Williams denomina esses gêneros de “body genres” (gêneros do corpo), pois neles o corpo é simultaneamente o objeto representado e o sujeito espectador afetado.
A autora defende que esses gêneros, muitas vezes desprezados pela crítica por serem considerados excessivos e gratuitos, na verdade compartilham uma lógica e uma função cultural importantes, ligadas à forma como o cinema lida com o prazer, o desejo e o gênero. Cada um encena, de maneira diferente, as tensões entre sadismo, masoquismo e identificação, revelando como o cinema organiza o prazer visual e emocional de um modo profundamente generificado.
O ponto central é que esses gêneros são definidos pela sua capacidade de provocar uma reação física intensa e mimética no espectador: o orgasmo na pornografia, o susto e o tremor no horror, e o choro no melodrama. Esse excesso sensorial é materializado no corpo feminino em êxtase (de prazer, terror ou sofrimento), que se torna o espetáculo principal. Williams associa a pornografia ao prazer sexual e à excitação, o horror ao medo e à violência, e o melodrama à emoção e à tristeza.
Ela afirma que “o sucesso desses gêneros é frequentemente medido pelo grau em que a sensação do público imita o que é visto na tela”. E pondera: “Se o espectador do filme pornô realmente tem um orgasmo, se o espectador do filme de terror realmente estremece de medo, se o espectador do melodrama realmente se dissolve em lágrimas, o sucesso desses gêneros parece uma questão autoevidente de medir a resposta corporal.” Concluindo que “o que parece diferenciar esses gêneros específicos dos outros é uma aparente falta de distância estética adequada, uma sensação de envolvimento excessivo com sensação e emoção.”
Na esteira do estudo de Carol J. Clover — em especial o texto “Her Body, Himself”, que viria a compor o livro Men, Women and Chainsaws — , Williams expande a noção para incluir o melodrama:
“Carol Clover, falando principalmente de filmes de terror e pornografia, chamou de gêneros do ‘corpo’ os filmes que privilegiam os gêneros sensoriais. Estou expandindo a noção de Clover de gêneros corporais inferiores para incluir a sensação de pathos avassalador no ‘choro’. O espetáculo corporal é apresentado de forma mais sensorial na representação do orgasmo na pornografia, na representação da violência e do terror no horror e na representação do choro no melodrama.”
Seu objetivo, ao refletir comparativamente sobre os três gêneros corporais, é ir além do mero fato da sensação para explorar seu sistema, sua estrutura e seu efeito sobre os corpos dos espectadores.
A partir daí, Williams explora como esses três gêneros recebem a pecha de excessivos, analisando a própria noção de excesso. Eles são considerados “baixos” por envolverem respostas físicas (orgasmo, grito, choro) e por mostrarem corpos femininos em êxtase, dor ou emoção. A pecha de “gratuito” atribuída a sexo, violência e emoção nesses gêneros é, ela própria, gratuita. O excesso é parte fundamental de seu sistema e função.
Tradicionalmente, “sozinhos ou em combinação, doses pesadas de sexo, violência e emoção são descartadas por uma ou outra facção como não tendo lógica ou razão de existir além de seu poder de excitar. Sexo gratuito, violência e terror gratuitos, emoção gratuita são epítetos frequentes lançados ao fenômeno do ‘sensacionalista’ na pornografia, no terror e no melodrama.”
Quando Williams argumenta que “se, como parece, sexo, violência e emoção são elementos fundamentais dos efeitos sensacionais desses três tipos de filmes, a designação ‘gratuito’ é em si gratuita”, devemos analisar que o excesso ou a designação de gratuito diz respeito à reação produzida na audiência. O objetivo desses filmes é sobrecarregar a audiência com determinadas sensações, e o fato de as pessoas reagirem dessa maneira sugere um desconforto coletivo com sexo, violência e emoção. A autora propõe, então, investigar e analisar esses gêneros como formas de processar esse desconforto.
Jordan Schonig, do canal Film & Media Studies no YouTube, comenta que esses gêneros corporais são definidos pelo excesso, ou seja, eles excedem uma fronteira social. Eles nos deixam desconfortáveis, ou, mais precisamente, sua mera presença sugere que alguma fronteira foi ultrapassada — o que pode gerar desconforto, mas também um grande interesse.
Outra noção de excesso no texto de Williams diz respeito àquilo que vai de encontro ao estilo clássico de Hollywood. Citando Rick Altman, ela afirma que a narrativa hollywoodiana não pode acomodar atributos “melodramáticos” como espetáculos longos, apresentação episódica, eventos que não contribuem para a narrativa, montagem rítmica e paralelismo destacado. Esses atributos constituiriam o excesso.
Linda Williams argumenta que emoção, violência e sexo operam no melodrama, no terror e na pornografia de tal maneira que excedem a função narrativa. É como se esses filmes nos fornecessem esses elementos para além da contribuição que dão à história.
O espetáculo corporal é apresentado de forma mais sensorial na representação do orgasmo na pornografia, na representação da violência e do terror no horror e na representação do choro no melodrama. Outra característica compartilhada é o foco em uma forma de êxtase. Cada um desses excessos extáticos poderia ser considerado como compartilhando uma qualidade de convulsão ou espasmo incontrolável — do corpo “fora de si” — com prazer sexual, medo e terror, ou tristeza avassaladora. O excesso é marcado não pelas articulações codificadas da linguagem, mas pelos gritos de prazer na pornografia, pelos gritos de medo no horror e pelos soluços de angústia no melodrama.
Além dos três sons, há também os três fluidos corporais característicos desses gêneros: lágrimas para o Melodrama, sangue para o Terror e fluido sexual para a Pornografia.
O ponto mais importante para Williams é que esses três gêneros não apenas representam corpos, mas também produzem uma mimetização no corpo do espectador. O espectador é “afetado” fisicamente — treme, chora, excita-se. O que pode marcar especialmente esses gêneros corporais como baixos é a percepção de que o corpo do espectador é capturado em uma imitação quase involuntária da emoção ou sensação do corpo na tela. Há uma falta de distância estética, no sentido de que o espectador se sente manipulado por esses filmes (vide as expressões fear-jerker ou tear-jerker). O corpo de quem assiste é tão sobrecarregado que se torna suscetível à manipulação pelo filme, o que inviabiliza a distância necessária para a contemplação intelectual da arte.
Além disso, os corpos nestes três gêneros são, quase sempre, femininos, tornando o prazer ou a dor feminina o centro do espetáculo. É o espetáculo do sofrimento feminino no Melodrama, o espetáculo da vítima feminina no Terror e o espetáculo do corpo feminino na Pornografia que vão marcar esses três gêneros. O corpo feminino é o centro visual e simbólico — como corpo “em êxtase”, “torturado” ou “sofredor”. Em suas palavras: “nesses gêneros, os corpos das mulheres figurados na tela têm funcionado tradicionalmente como as principais personificações do prazer, do medo e da dor.”
Em relação ao público desses três gêneros, Williams comenta:
“Poderíamos, portanto, esquematizar inicialmente os prazeres perversos desses gêneros da seguinte maneira: o apelo da pornografia aos seus supostos espectadores masculinos seria caracterizado como sádico, o apelo dos filmes de terror às identidades sexuais emergentes de seus espectadores (frequentemente adolescentes) seria sadomasoquista e o apelo dos filmes femininos às presumidas espectadoras seria masoquista.”
No entanto, ela pondera que, embora certamente existam pólos masculino e feminino, ativo e passivo, as posições subjetivas construídas por cada um dos gêneros não são tão rigidamente vinculadas ao gênero como muitas vezes se supõe. A análise vai além dos modelos rígidos de sadismo (para homens) e masoquismo (para mulheres). A identificação do espectador é complexa, oscilante e pode conter elementos de ambos (sadomasoquismo), como visto na figura da “final girl” no terror.
A autora defende que sadismo, masoquismo e voyeurismo são formas básicas de prazer fílmico, não desvios, e propõe que cada gênero está ligado a uma fantasia psíquica fundamental:
- Na Pornografia, há a fantasia de sedução, com uma temporalidade utópica de encontro “na hora certa!”.
- No Terror, está presente a fantasia de castração, com uma temporalidade de trauma “cedo demais!”.
- No Melodrama, tem-se a fantasia de origens/perda, com uma temporalidade de pathos “tarde demais!”.
Williams afirma que
“Cada um dos três gêneros corporais (…) pode ser visto como correspondente, de maneira importante, a uma dessas fantasias originais: a pornografia, por exemplo, é o gênero que parece repetir indefinidamente as fantasias da sedução primitiva… O terror é o gênero que parece repetir indefinidamente o trauma da castração… E o melodrama lacrimoso é o gênero que parece repetir indefinidamente a fantasia do romance familiar e da perda das origens.”
Cada gênero tenta, de modo falho e repetitivo, encenar um tipo de encontro ideal entre sujeito e desejo.
Williams critica o uso moralizante dos termos psicanalíticos (fetichismo, sadismo, masoquismo) e propõe vê-los como estruturas culturais do prazer, não como desvios. Ela argumenta que esses três gêneros são mais complexos do que a análise de Laura Mulvey em “Visual Pleasure and Narrative Cinema” propôs para o cinema clássico hollywoodiano.
“O sistema psicanalítico de análise, influente nos estudos cinematográficos e na teoria feminista, tem sido ambivalente quanto ao status do excesso. Categorias como fetichismo, voyeurismo, sadismo e masoquismo, frequentemente invocadas para descrever os prazeres da expectativa cinematográfica, são, por definição, perversões. No entanto, os prazeres perversos da visualização de filmes dificilmente são gratuitos; eles são considerados tão básicos que frequentemente são apresentados como normas. Afinal, o que é um filme sem voyeurismo? Ao mesmo tempo, críticas feministas questionam: qual é a posição das mulheres nesse prazer voltado para um ‘olhar masculino’ presumivelmente sádico? Até que ponto ela é sua vítima? A mulher orgástica da pornografia e a mulher torturada do horror estão meramente a serviço do olhar masculino sádico?”
As mudanças sociais e culturais — como o surgimento da pornografia bissexual e dos “male weepies” — revelam um afrouxamento das fronteiras entre masculino e feminino, ativo e passivo. O prazer, antes rigidamente generificado, torna-se móvel e híbrido, sintoma das transformações culturais sobre o gênero.
Esses gêneros não devem ser vistos como “perversões da cultura”, mas como formas de pensar problemas persistentes — desejo, diferença sexual, poder, identidade. Os gêneros “grosseiros” não devem ser simplesmente descartados, mas vistos como formas de problematizar e negociar questões culturais profundas sobre gênero, sexualidade e identidade em constante transformação. A função cultural do “excesso” é resolver simbolicamente esses problemas.
Williams conclui que:
“esses gêneros corporais ‘nojentos’, que podem parecer tão violentos e hostis às mulheres, não podem ser descartados como evidência de uma misoginia monolítica e imutável, como puro sadismo para espectadores masculinos ou masoquismo para mulheres. Sua própria existência e popularidade dependem de rápidas mudanças nas relações entre os ‘sexos’ e de noções de gênero em rápida transformação — do que significa ser homem ou mulher. Descartá-los como excessos, seja de sexo explícito, violência ou emoção, ou como perversões, seja de masoquismo ou sadismo, não é abordar sua função como solução de problemas culturais”.
Na próxima parte, será analisado como o texto de Williams pode ser aplicado ao giallo.


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