Okinawa nos filmes: Ryukyu, suicídios em massa, exército dos EUA e Shamisen (parte 2)

Durante a Batalha de Okinawa, o 10º Exército dos EUA desembarcou pela primeira vez e assumiu o controle de dois campos de aviação importantes: Yomitan e Kadena. Desde a rendição do Japão ao domínio dos EUA sobre Okinawa, e mesmo depois que as ilhas Ryukyu foram devolvidas ao país, esses dois campos de aviação e seus entornos permaneceram como as bases militares norte-americanas mais importantes do Japão. A Base Aérea de Kadena abriga a 18ª Ala, a maior unidade de combate operacional da Força Aérea dos EUA no Pacífico.

De acordo com estatísticas do governo da província de Okinawa, entre 1972 e 2023, militares norte-americanos e seus subordinados cometeram aproximadamente 6200 crimes na província, incluindo delitos graves como assassinato, estupro e roubo. Entre eles, o caso que desencadeou o maior protesto desde a devolução de Okinawa ao Japão ocorreu em setembro de 1995, quando três militares norte-americanos estupraram uma aluna local de 12 anos. Os três estupradores foram sentenciados pela Primeira Instância de Naha a apenas seis a sete anos de prisão. Após cumprirem suas sentenças e retornarem aos EUA, um deles estuprou e assassinou uma estudante universitária na Geórgia antes de cometer suicídio.

Foi somente depois de pesquisar na internet que conheci um filme norte-americano de 2009, The First Breath of Tengan Rei, baseado nesse incidente. A equipe de produção supostamente tentou exibir o filme em uma base militar dos EUA em Okinawa como parte da formação legal de novos recrutas, mas a tentativa foi rejeitada pelas relações públicas do Corpo de Fuzileiros Navais.

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The First Breath of Tengan Rei.

Infelizmente, não tenho como assistir ao filme. No entanto, uma vantagem de ser um turista que costuma compartilhar minhas experiências quase em tempo real nas redes sociais é que as pessoas quase sempre me fornecem informações adicionais. Depois que postei sobre o caso enquanto passava pela Base Aérea de Kadena, parcialmente aberta para visitantes, vários internautas simplesmente comentaram "Fúria" nas minhas publicações. Um amigo meu da indústria cinematográfica explicou que o suspense japonês de 2016 Fúria (Ikari) também está relacionado a crimes cometidos por tropas norte-americanas em Okinawa. O filme começa com um duplo assassinato brutal de um casal nos subúrbios de Tóquio, depois segue três homens misteriosos que moram em lugares diferentes, cada um se envolvendo profundamente na vida dos outros por meio de narrativas paralelas. Embora a presença do exército norte-americano no filme seja breve, serve como um ponto decisivo crítico que acelera a trama, levando as três histórias aparentemente não relacionadas em direção à resolução.

O exército norte-americano, que usufrui de jurisdição extraterritorial, deixou um longo histórico de crimes em Okinawa, desencadeando diversos protestos em larga escala que forçaram os EUA e o Japão a concordarem em reduzir o tamanho das bases militares na ilha. Pouco antes do Natal de 2024, 105 fuzileiros navais norte-americanos, que originalmente deveriam ter sido enviados a Okinawa, foram transferidos para uma nova base em Guam, um território dos EUA. Esse ajuste aparentemente pequeno representou um marco significativo: a primeira redução no número de fuzileiros navais em Okinawa.

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Fúria.

Os ryukyuanos são o povo indígena da ilha de Okinawa e do arquipélago de Ryukyu. Desde que foram anexados pelo Japão no final do século XIX, eles se tornaram o segundo maior grupo étnico do país. Sua língua, cultura e até mesmo aparência diferem até certo ponto da etnia Yamato dominante no Japão, e seu senso de identidade com o país permanece limitado. Em uma pesquisa de 2007 envolvendo 1000 habitantes de Okinawa, apenas 25,5% se consideravam japoneses, enquanto 41,6% se identificaram como okinawanos e 29,7% se viam como okinawanos-japoneses.

Do outrora independente Reino de Ryukyu às dificuldades da imigração para o Havaí e até mesmo para o Brasil, os ryukyuanos passaram por um século e meio de tragédias: foram obrigados a servir ao militarismo do Japão nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, aos crimes decorrentes da presença militar dos EUA.

Claro, como turistas que aproveitam o sol, as praias, a culinária e as maravilhas do mundo subaquático de Okinawa, há poucas oportunidades de testemunhar a dor dos moradores. O entretenimento da ilha que às vezes vivenciamos é, em sua maioria, repleto de risadas, música e momentos em que nos encontramos batendo palmas e dançando ao ritmo da shima uta. Essa forma de arte única de Okinawa há muito tempo deixou de lado suas origens em cerimônias religiosas e cantos de trabalho, encontrando um lar nos animados bares e restaurantes de movimentados distritos comerciais. Acompanhados pelo shamisen — um instrumento que evoluiu do sanxian chinês — e taiko, os artistas guiam principalmente visitantes do Japão continental por cânticos alegres. No dialeto Amami da língua ryukyuana, "shima" significa tanto "ilha" quanto "cidade natal", enquanto "uta" significa "canção folclórica".

Na animada Kokusai Street de Naha, um amigo que falava japonês me levou a um restaurante shima uta. Na mesa ao lado, um grupo de jovens universitários de Osaka, já embriagados, nos puxou com entusiasmo para seu canto rítmico de "um, dois, três, quatro" em sincronia com os músicos no palco, começando com o brinde de costume: "Ari kanpai". A melodia ao fundo soava surpreendentemente familiar — quase idêntica à famosa canção taiwanesa "Love Song 1980". Meu amigo me lembrou que não se tratava de plágio: dadas as influências históricas de Okinawa, as canções folclóricas ryukyuanas são naturalmente mais próximas das baladas taiwanesas do que as do Japão ou da China.

No dia seguinte, meu amigo voou de volta para Hong Kong, enquanto eu continuei viajando de ilha em ilha, visitando restaurantes shima uta em diferentes cidades e curtindo música, comida e bebida todas as noites. Durante minha jornada, também descobri um filme shima uta chamado O Amor de Nabbie e encontrei facilmente uma versão legendada na internet. Com um cenário de paisagens azuis deslumbrantes, o filme conta duas histórias de amor: uma é sobre uma jovem que retorna à sua cidade natal e a outra é um conto raro de um casal de idosos que foge. O persongem principal, Nabbie, é o avô da jovem. Após o retorno dela à ilha de Aguni, seu avô tocador de shamisen comenta: "Agora você parece uma garota japonesa". Pelo menos no filme, a nacionalidade desse personagem é claramente ryukyuana.

A trilha sonora é bastante criativa. Além dos dois temas compostos pelo maestro Michael Nyman, o fluxo contínuo de canções folclóricas tocadas no shamisen adequa-se a diferentes personagens, apresentando diversas variações da shima uta: celta, blues e até ópera. Clássicos como a canção folclórica irlandesa "Danny Boy" e "Habanera" da ópera francesa Carmen receberam letras ryukyuanas, acompanhando perfeitamente o romance dos jovens, a fuga do casal de idosos e até mesmo uma shima uta obscena cheia de insinuações picantes — afinal, canções folclóricas sobre amor e desejo sempre foram descaradamente diretas.

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O Amor de Nabbie.

Na minha última noite nas ilhas Ryukyu, finalmente entrei em um bar localizado embaixo do meu apartamento em Ishigaki. No jantar mais cedo em um restaurante shima uta, me sentei ao lado de uma mulher que agora estava no bar. Falando inglês fluentemente, ela se apresentou: "Sou de Shikoku e estou casada com um havaiano de ascendência okinawana. Estou morando nos EUA desde então. Desta vez, vim sozinha para explorar a terra ancestral dele. Você veio ao lugar certo — comparado aos restaurantes shima uta que atendem turistas, este é o melhor".

O dono do bar, um músico idoso, veio nos cumprimentar e perguntou o que eu queria ouvir. Como turista, não tinha como distinguir a autêntica shima uta, então ele pegou seu querido shamisen, subiu no palco e começou a tocar "Shima Uta", uma famosa canção de sucesso de 1992. Sua esposa pegou todos os tipos de instrumentos de percussão — incluindo sinos e castanholas — e chamou um antigo instrutor de dança Eisa para nos guiar no ritmo. Talvez devido ao comprometimento deles com a satisfação do cliente, no meio da música, fui puxado para o palco para batucar o taiko e soar o gongo.

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Um bar shima uta na ilha de Ishigaki.

"Shima Uta" foi composta por Miyazawa Kazufumi depois que ele visitou o Museu da Paz de Himeyuri. "Uma sobrevivente do corpo estudantil de Himeyuri uma vez me contou sua história", ele lembrou:

As meninas acreditavam que seriam mortas pelas forças invasoras dos EUA, então elas se mudavam de uma caverna para outra. Mas, na realidade, a maioria das mortes na Batalha de Okinawa foi devido às ordens militares japonesas para suicídios em massa. Quando saí do museu, vi canaviais balançando ao vento, o que me inspirou a escrever uma música dedicada à mulher que compartilhou sua história comigo. Embora o museu subterrâneo esteja cheio de escuridão e tristeza, o mundo lá fora ainda continua lindo.

Com essa nova perspectiva, li a letra novamente, e o céu e o mar lá fora pareceram ainda mais azuis:

As flores de deigo estão desabrochando,

O vento está chamando,

Uma tempestade se aproxima.

A tristeza se repete como ondas em toda a ilha.

Conheci você entre os canaviais,

Me despedi de você entre os canaviais.

Oh, canção da ilha, que acompanha o vento,

Sobrevoe o mar com os pássaros.

Oh, canção da ilha, que acompanha o vento,

Por favor, leve meu amor com você.

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Ponte que conecta a ilha Miyako à ilha Irabu.

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