
Antes de começar essa crítica, preciso contar uma anedota pra vocês. Cerca de seis meses atrás, eu desisti de ter o controle da minha watchlist de filmes - passou dos 1000, eu realmente desisti. Então, eu desenvolvi uma forma de sorteio que escolhesse o meu filme da noite de forma aleatória, na intenção de tentar diminuir essa lista interminável, e de evitar que eu passasse horas e mais horas navegando em catálogos de streaming sem ter ideia do que assistir. Foi assim que numa sexta-feira a noite, me deparei com "Are You There, God? It's Me, Margaret" e seu cartaz fofinho, e fui impactada com esse filme tão doce, delicado e emocionante que me deixou de cara vermelha de tanto chorar.
No filme de 2023, que chegou no Brasil com o nome "Crescendo Juntas" (e confesso que de cara não gostei, mas depois entendi e achei sensibilíssimo), acompanhamos Margaret, uma garota de 11 anos, vivida por Abby Ryder Fortson, que está enfrentando grandes desafios para sua idade - seus pais irão se mudar de Nova York, onde vivem desde que ela nasceu, e ela terá que trocar de escola e fazer amigos em New Jersey, seu novo lar, enquanto se vê de frente com os novos dilemas da adolescência e das mudanças em seu próprio corpo.
O filme é de um tipo chamado coming-of-age, com narrativas que tratam desse momento de saída da infância para adolescência, e é incrível como vemos que esse gênero consegue transpor barreiras culturais, de língua e nacionais, como os aspectos desses momentos da vida fossem universais, e fosse possível se identificar, mesmo com as particularidades da história e também não importando quantos anos já tenham se passado. A vontade de se encaixar na nova escola após uma mudança de casa e encontrar novas amizades, a espera pela primeira menstruação e a dificuldade em se adaptar às grandes primeiras etapas da vida, ser uma garota adolescente não mudou nada desde a década de 70.

Para fazer amizades, Margaret não teve tanta dificuldade assim, já que desde sua chegada, a vizinha Nancy (Elle Graham) invade sua casa como um furacão e a acolhe e inclui no seu grupinho. É essa inserção e amizade que faz com que ela viva várias situações pela primeira vez, e temos aí várias pautas que permeiam o filme: a primeira festa sem supervisão adulta, o primeiro beijo, a ansiedade pelo primeiro sutiã e a primeira menstruação (inclusive isso me rendeu bastante risadas como elas, sob influência de Nancy, anseiam pelas piores coisas de ser mulher: sutiã e menstruação haha). As atuações das duas meninas, Fortson e Graham, são incríveis, mas todo o elenco adolescente brilha. A Nancy é a representação da ‘Abelha Rainha’, essa personagem típica de filmes, que manda e desmanda no seu grupinho de amigas e que sempre tem que ser a melhor, a primeira em tudo. Nesse sentido, uma das cenas mais bonitas e sensíveis do filme é justamente a sua inesperada primeira menstruação, onde ela é confrontada com a realidade de que, por mais que ela quisesse tanto se sentir pronta e madura, quando a realidade chega, é totalmente diferente.
Me colocou num túnel do tempo, principalmente por ser uma criança neurodivergente (que hoje sei que era), em lembrar de várias situações que também me atormentaram. Não me importava com seios, até alguma amiga fazer eu reparar; não me importava se já tinha beijado alguém, até cobrarem que eu deveria; não achava que aparências dos outros serem diferentes da minha era motivo de chacota, até que me falarem que isso era o que tinha que fazer. Simplesmente não era uma questão, até ser. Dá pra entender? No caso do filme, vemos Margaret cair na influência das meninas que a rodeiam, mas gradativamente se sentir confortável em fazer suas próprias escolhas e ir contra a validação do grupo - o que é uma situação incrível em qualquer idade, convenhamos.
E onde entra o Deus do título original do filme? O Deus que a Margaret conversa é um veículo de escape para suas dúvidas e principalmente para as suas frustrações, incertezas, alegrias e gratidões. Ela está sempre se dirigindo a esse Deus, e é engraçado porque isso nunca fez parte de sua vida. Seus pais, um judeu e uma católica, decidiram que a filha só escolheria a sua própria religião quando fosse adulta, graças a muitos conflitos e traumas que o assunto já trouxe para a família. Esse recurso é muito legal para mostrar a inocência da protagonista, com todas as suas emoções em ebulição, precisa recorrer a um salvador "imaginário".
E mesmo com a religião o tempo todo presente no filme, o longa não é religioso de forma nenhuma. Acompanhamos Margaret descobrindo as duas religiões que permeiam sua família, tentando entender Deus, e falando bastante... Sozinha. Uma ótima representação da angústia adolescente de não se sentir ouvida, mesmo rezando o tempo inteiro. Aos poucos ela percebe que as orações são conversas com ela mesma, onde vai se descobrindo e se entendendo, chegando na conclusão (como ela fala na carta que escreveu para seu professor) que ela não precisa ser guiada por uma religião, fé ou por alguém que está lá em cima. Ela consegue definir seus ideais através dos seus questionamentos, e entender qual a opinião de Deus (si mesma) sobre todas as coisas a que ela está passando, afinal, não há ninguém “lá em cima”, a não ser ela mesma.
O outro destaque do filme é Rachel McAdams, como a mãe, Barbara. A relação dela com a filha é lindíssima, tem tanta ternura, mesmo que você veja durante o filme os dramas pessoais que ela está enfrentando - e uma das cenas dramáticas mais emocionantes, é quando ela explica para Margaret porque ela não conhece seus avós maternos. Esse diálogo honesto, aberto, sem medo de expor sentimentos é a coisa mais linda do mundo (e sim, estou sendo repetitiva, eu sei). Ela está aprendendo tudo ao mesmo tempo, a ser mãe, esposa, nora e filha, além das questões internas da própria idade, entendendo, assim como a filha, quem ela é e qual seu lugar do mundo, ainda mais acentuados pela mudança geográfica. Nesse amadurecimento de mãe e filha, vemos também essa tentativa de se encaixar e paulatinamente a confiança em ser quem é, e ir contra a manada das mães-e-esposas-tradicionais para defender o que quer. Rachel McAdams é emocionante, e mais uma vez ela brilha.

É nesse momento, inclusive, que entendo a tradução do título no Brasil, Crescendo Juntas. Para além da relação de mãe e filha, temos também a avó, a impecável, rainha, deusa Kathy Bates, que estão conectadas e enfrentando cada uma seus próprios desafios em seus momentos de vida, onde enfrentam o mesmo dilema: seguir caminhos novos e se reestruturar. É lindo e traz quentinhos no coração ver como que elas não largam as mãos em nenhum momento, sendo apoio para que cada uma conseguisse encontrar o seu ritmo e bancar as suas escolhas e caminhos de vida.
A diretora Kelly Fremon Craig brilha em Crescendo Juntas, numa sensibilidade ímpar, abordando a adolescência, essa fase que é complicada universalmente. O filme traz uma empatia e uma leveza mesmo diante das questões mais pesadas, e consegue se desvencilhar de estereotipias mesmo sendo um assunto tão batido. É um filme bem "Sessão da Tarde", que também pode ser sessão da noite, pra rir e chorar e ter conforto, tudo ao mesmo tempo. Está no Amazon Prime.



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