Hereditário é um dos melhores filmes de terror porque, na maior parte do tempo, você sente que o terror está em casa: O pai muitas vezes está ausente, a mãe é fria e dividida; ela parece ser uma boa mãe, mas cobre os filhos com líquidos inflamáveis enquanto sonâmbula. A família de quatro pessoas, pais e irmãos, parece ser uma frente unida, mas existem distâncias sutis entre eles – trata-se de conformidade, desapego, mania, indiferença e investigação mútua.
Além disso, por trás desta família está uma avó que nunca é vista, mas está sempre presente. Ela é uma figura de amor e ódio para a filha e uma porta de entrada para o demoníaco. Sacrificando o corpo do neto ao rei demônio Paimon, que há anos se esconde nas sombras, o filme culmina com o demônio assumindo o controle deste corpo e da família. Esta família, ou o que resta dela, desmorona.
A primeira metade faz você pensar que é um filme de terror familiar, mas na última meia hora o tom muda. Na realidade, é um filme demoníaco semelhante a O Exorcista ou O Bebê de Rosemary. A família está profundamente envolvida em uma trama sem saída que desperta a curiosidade sobre demônios.
01: O demônio Paimon e os 72 espíritos demoníacos de Salomão
Na Bíblia, a lenda dizia que Salomão, o rei do antigo reino judaico, não era apenas conhecido por sua extraordinária sabedoria e realizações no governo, mas também por ser um hábil invocador de demônios. Ele escreveu feitiços que usava para invocá-los, chamando-os de “Chave de Salomão”. Ele invocou 72 demônios poderosos para servi-lo.
Os babilônios, mais tarde, invadiram e acidentalmente quebraram as garrafas contendo os demônios, libertando os 72 espíritos no mundo – conhecidos como “72 espíritos de Salomão”. A lista inclui Baal, o “Rei das Moscas”, Agares, um demônio de três cabeças, Vassago, que pode ver o passado e o futuro, e Samigina, um demônio com corpo de cavalo. Em Hereditário, vemos o demônio Paimon, que ocupa o nono lugar entre os 72. Ele é retratado como tendo um corpo masculino com rosto feminino.
Em 1825, um ocultista francês descreveu várias figuras demoníacas em uma obra chamada “Dictionnaire Infernal”. Entre elas estava Paimon, que usava uma coroa adornada com pedras preciosas e montava um camelo de corcunda única e vagava pelo vasto mundo.
Na verdade, Paimon é um demônio associado à criatividade artística inspiradora e possui grande conhecimento em áreas como ciência, arte e ocultismo, com a capacidade de transmitir esse conhecimento aos humanos em um instante. Em Hereditário, vemos que a família que adora Paimon tem um alto nível artístico – elementos como o tapete da avó, a casa de bonecas da mãe e as pinturas da filha servem como dicas sutis.
O nome de Paimon vem de uma antiga língua mesopotâmica que remonta a mais de dois mil anos; significa o som de “gotejamento” ou “ding-dong”, muito parecido com o som do clique da língua feito continuamente pela jovem no filme. Ele também foi uma divindade na antiga mitologia mesopotâmica do Oriente Médio.
Entre os 72 demônios, Paimon pode não ser o mais famoso, com o primeiro lugar indo para Baal – ele aparece em O Ritual, protagonizado por Anthony Hopkins como um exorcista.
Baal é uma figura lendária, considerado o rei do inferno e líder das 66 legiões de demônios. Segundo a tradição, ele tem uma aparência feia, uma voz rouca e pode aparecer como um gato, um sapo, uma forma humana – ou até mesmo uma combinação deles.
Na tradição judaica, Baal é descrito como o Senhor das Moscas, que traz doenças e calamidades, e seu nome posteriormente foi transformado no demônio Belzebu. No entanto, sua imagem está enraizada no deus fenício da fertilidade, de cerca de 1300 a.C. – conhecido como "Príncipe Baal", era uma divindade que presidia o sol, as tempestades e as colheitas abundantes.
Na Bíblia, ele se tornou o rei do inferno e um grande demônio capaz de rivalizar com o próprio Satanás. Isso ilustra que muitos dos 72 demônios têm protótipos originais e a transformação de divindades pagãs em demônios muitas vezes envolve escritos da Bíblia.
Além de Baal, O Ritual também apresenta o demônio Samigina, o quarto lugar dos 72. Samigina tem conhecimento em necromancia e invocação de espíritos; quando um conjurador deseja que apareça na forma humana, ele também consegue.
Em Invocação do Mal 2, a aterrorizante freira é inspirada no demônio Valac, que ocupa a 62ª posição.
O personagem Amon, que se junta ao protagonista de Devilman de Go Nagai, é baseado no demônio Amon, 7º da lista.
Pode-se dizer que a maioria das formas demoníacas que aparecem nos filmes de terror remontam aos 72 demônios de Salomão.
No entanto, embora chamados de “72 demônios de Salomão”, esse sistema não tem conexão nenhuma com o próprio rei – ele se originou de uma obra de demonologia do século XVII conhecida como "A Chave Menor de Salomão", livro criado por entusiastas do misticismo que estudavam astrologia, alquimia e Cabala.
02: Do ponto de vista teológico
Em janeiro de 1566, uma menina de 16 anos chamada Nicole foi levada à Catedral de Léon, na França. “Espírito maligno, inimigo de Deus, olhe para esta cruz sagrada, em nome do Senhor e de nosso Senhor Jesus Cristo, ordeno-lhe que deixe o corpo desta pobre menina, para nunca mais voltar.” Com água benta, uma cruz e a sagrada Eucaristia, os padres recitavam orações para realizar um exorcismo para a menina.
Antes disso, a menina exibia um comportamento estranho, convulsões e falava uma linguagem incompreensível. Este foi um famoso exorcismo registrado pela Igreja e testemunhado por mais de dez mil pessoas. O protagonista foi Belzebu – ou Baal – o chefe dos 72 demônios.
Em 1949, uma história sobre um menino de 14 anos possuído ganhou as manchetes do The Washington Post.
O menino se chamava John Hoffman e apresentou sintomas semelhantes aos de possessão após a morte da tia. Como resultado, o bispo local foi chamado e seguiu-se uma batalha que durou um mês. O Washington Post fez uma cobertura detalhada do processo de exorcismo, despertando amplo interesse e discussão sobre o evento.
Na época, o renomado autor William Peter Blatty, que ainda estava na faculdade, usou esse incidente como base para escrever um grande romance com o tema – mais tarde, o livro se tornou a base para o grande sucesso O Exorcista, um dos filmes de terror de maior sucesso da década de 1970, senão de todos os tempos.
Foi nessa época que um conceito moderno de exorcismo começou a criar raízes na mente das pessoas. Na Bíblia, há relatos detalhados de Jesus Cristo realizando exorcismos e curas durante Seus mais de 30 anos na Terra. Por exemplo, no início de Marcos 5, é mencionado que Jesus, enquanto viajava pela região da Galiléia, encontrou um homem possuído por demônios; depois de descobrir o nome do demônio, permitiu que ele, conhecido como “Legião”, possuísse um rebanho de porcos, livrando assim o povo do tormento. Mais tarde, Jesus autorizou Seus discípulos a realizarem exorcismos também.
Nas crenças cristãs, o reino espiritual é considerado uma existência real – existe Deus e também os demônios. Os seres humanos, criados com livre arbítrio, se desviaram do caminho de Deus e caíram no pecado através das tentações de Satanás. Nessas ocasiões, é confiada aos cristãos a responsabilidade de serem exorcistas, curando indivíduos e guiando-os de volta ao caminho certo.
Durante mais de 500 anos, o Vaticano e a Igreja Católica têm realizado rituais de exorcismo para lutar por aqueles cujos corpos e almas foram ocupados por forças malévolas. O exorcismo evoluiu de ser principalmente um ritual religioso para se tornar cada vez mais profissional – em 2006, o Vaticano até organizou um curso de formação.
Essa transformação na prática serviu de inspiração para o roteiro do filme Filha do Mal.
Embora a comunidade científica zombe dos rituais de exorcismo e tenha suas reservas, o Vaticano segue os reconhecendo e os mantêm discretamente. O Papa Francisco uma vez afirmou: “Esta geração, e muitas outras, foram levadas a acreditar que o diabo é apenas um mito, uma figura de linguagem, uma ideia, a ideia do mal. Mas o diabo existe e devemos lutar contra ele.”
03: Do ponto de vista psicológico
Em O Ritual, estudante de teologia em seu primeiro contato com aulas de exorcismo, o protagonista inicialmente acredita que as ações bizarras e os gritos da menina em frente à cruz são indicativos de problemas psicológicos. Na verdade, esses comportamentos costumam apresentar semelhanças com questões psicológicas, como o transtorno de personalidade múltipla, a esquizofrenia ou a histeria.
Como mostrado em Filha do Mal, o caso da mulher possuída pode ser diagnosticado por um psicanalista como transtorno de personalidade; alguns até tentaram fazer terapia sob a perspectiva da possessão.
Em uma série documental do Discovery Channel, é mencionado um caso em que um médico chamado Sanderson, após hipnotizar um paciente com múltiplas personalidades, despertou outra personalidade que se acreditava ser um espírito. Por meio de tratamento psicológico, Sanderson acabou expulsando esse espírito do corpo do paciente, e os sintomas melhoraram.
Na verdade, hoje, muitos exorcistas dentro das igrejas incentivam os indivíduos a primeiro procurarem o conselho de um psiquiatra; eles intervêm apenas quando os profissionais médicos não conseguem fornecer uma solução.
O conceito de demônios na cultura ocidental está intimamente ligado às crenças cristãs. Muitos dos 72 demônios, como Baal e Paimon, têm suas origens em outras religiões e deuses, e o processo de transição de deuses para demônios é associado ao domínio do Cristianismo.
Quanto a saber se os demônios realmente existem, se é possível invocá-los ou despertá-los e se o exorcismo é eficaz, acredito que cada pessoa tem suas próprias respostas.
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