Dois filmes centrados em palhaços chegaram aos cinemas recentemente: Coringa: Delírio a Dois e Terrifier 3 — ambos os apresentam como vilões agressivos e perturbados que me dão arrepios na espinha, completamente diferentes dos divertidos artistas de balões que vemos na vida real.
Ao ver essas figuras aterrorizantes, a princípio acreditei que era porque os cineastas estavam tentando mudar nossa percepção sobre os palhaços, transformando-os de personagens cômicos e amigáveis em símbolos de medo. E conseguiram. Eles conseguiram distorcer a forma como vejo os palhaços sorridentes que se apresentam no shopping ou em eventos da cidade.
Quando eu era criança, os palhaços apareciam em todos os lugares, especialmente durante as férias. Eles eram a vida dos eventos, com roupas coloridas exageradas e narizes vermelhos, distribuindo balões e fazendo truques. Eu os achava divertidos, embora seus sorrisos permanentes me causassem uma sensação estranha. No geral, porém, eu os considerava artistas inofensivos.
Só quando fiquei mais velho e assisti a filmes como It - A Coisa é que percebi que os palhaços tinham um lado mais sombrio na cultura popular. Pennywise, escondido nos esgotos com sua violência imprevisível, mudou completamente minha visão infantil; depois, vimos o Coringa de Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas — um vilão sem motivo compreensível para destruição e um dos inimigos mais aterrorizantes de Gotham. Esses personagens transformaram a palavra "palhaço" em sinônimo de caos, perigo e imprevisibilidade.
Esses dias, eu estava conversando com um amigo sobre os palhaços dos filmes, afirmando como o cinema havia distorcido sua imagem em algo sinistro. Foi então que ele me interrompeu com a seguinte frase: "Os palhaços reais são ainda mais assustadores do que os dos filmes". Essa observação me fez parar para pensar. Curiosamente, comecei a pesquisar a história dos palhaços, e o que encontrei foi assustador.
Eles remontam a 2400 a.C. Quase todas as civilizações antigas tinham uma versão do palhaço: no antigo Egito, na Grécia, em Roma e até mesmo nas cortes imperiais da China, havia artistas que se vestiam de uma forma boba, faziam palhaçadas exageradas e interpretavam tolos. Eles representavam figuras oprimidas ou pobres coitados, pulando e fazendo caretas grotescas — tudo para entreter a realeza e os nobres. Percebemos que o tom de desconforto e opressão dos palhaços existe desde os primórdios — imagine ser forçado a divertir os poderosos todos os dias; quase dá para sentir o sofrimento.
Isso me fez lembrar de Gríma Língua de Cobra, personagem de O Senhor dos Anéis que bajulava e manipulava o rei Théoden e Saruman, além de sempre tentar agradar Sauron. A maneira como Peter Jackson criou o personagem sempre pareceu clownesca de uma forma distorcida e sombria.

Acontece que os palhaços modernos carregam tons mais sombrios. Joseph Grimaldi, um mímico britânico do início do século XIX, criou o icônico palhaço de rosto branco e combinou comédia pastelão com pantomima, o que lhe rendeu o título de "pai da palhaçada moderna". Mas a história de Grimaldi está longe de ser alegre. Sua infância foi atormentada por traumas: ele foi criado por um dono de teatro que alegava poder se comunicar com o diabo e acreditava que morria toda primeira sexta-feira do mês. Também foi abusado pelo chefe, gerando graves problemas psicológicos, como depressão e transtornos de personalidade, que o assombraram por toda a vida. Essas cicatrizes mentais moldaram o palhaço característico de Grimaldi — uma figura meio infantil e meio horripilante.
Depois, há Jean-Gaspard Deburau, um palhaço famoso de Paris também do século XIX, que era adorado pelo público. Suas apresentações lotavam teatros e sua popularidade parecia imbatível. Porém, em 1836, Deburau espancou um garoto até a morte em plena luz do dia com uma bengala, só porque a criança o chamou pelo nome artístico na rua. Esse incidente chocou Paris e revelou como, por trás do sorriso pintado, algo muito mais sombrio estava escondido.
Esses palhaços da vida real são muito mais assustadores do que qualquer vilão fictício, pois eles revelam um lado da palhaçada que explora um profundo mal-estar psicológico. As pessoas os temem não apenas por causa da maquiagem exagerada e dos sorrisos inquietantes, mas porque alguma coisa neles parece inerentemente errada. De acordo com a teoria do "vale da estranheza", quando algo parece quase humano, mas não exatamente, isso desencadeia uma resposta natural de medo. A maquiagem excessivamente expressiva distorce seus rostos a ponto de tornar impossível dizer o que realmente estão sentindo — essa incerteza nos deixa nervosos.
Há, também, o fato de que palhaços aparecem em lugares onde deveríamos estar relaxados — como festas ou festivais — mas seu comportamento bizarro não combina com o ambiente. A dissonância entre sua aparência estranha e a normalidade ao redor aumenta o desconforto. Psicólogos também ligaram a fobia de palhaços a formas de ansiedade, já que suas ações são imprevisíveis. Os sutis tons sexuais e as expressões distorcidas os tornam ainda mais terríveis.
Embora os filmes tenham amplificado esse medo, eles não o inventaram. O palhaço sempre foi uma figura estranha e desconcertante, como mostram os relatos históricos. Depois de aprender sobre a realidade obscura por trás de alguns dos mais famosos, sinto que suas versões fictícias só arranham a superfície. Por baixo da pintura facial e dos gestos exagerados, há uma verdade muito mais perturbadora, enraizada em séculos de história.
Mesmo depois de tanto pesquisar, ainda me pergunto: por que uma figura tão perturbadora continua se apresentando para crianças? Por que mantivemos o palhaço vivo em espaços destinados à alegria, apesar de sua antiga associação com algo muito mais preocupante? Talvez esse seja o verdadeiro terror do palhaço: ele perdura, apesar do nosso profundo desconforto, como se nos desafiasse a desviar o olhar do lado sombrio da humanidade que representa.
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