Minha vida pós-Código Preto

Londres, 23h55, 13 de abril de 2025.

Acabei de sair da sessão de Código Preto e minha personalidade mudou para sempre. Fiquei inspirado por este thriller de espionagem insinuante e sexy que conta a história de um marido que tem que espionar a esposa e ainda encontra tempo para oferecer jantares e pescar. Não vou mais me vestir como um qualquer, nem agir como um idiota: de agora em diante, me vestirei, no mínimo, tão bem quanto o agente da inteligência britânica George Woodhouse (Michael Fassbender). Não vou mais confiar em ninguém e vou investigar todo mundo. Minha nova palavra-chave é sofisticação.

Do lado de fora do cinema, é uma noite fria de primavera. O velho eu iria direto para casa, mas o novo eu precisa encontrar um contato em uma boate do Soho, um bairro famoso por sua vida noturna.

O segurança tenta me impedir, mas menciono o nome do meu contato e ele abre espaço. Desço as escadas, seguindo o som da música ambiente. Quanto mais desço, mais forte fica o cheiro de lilases. Por que todos os clubes legais são subterrâneos e do tamanho de caixas de sapatos? Eu sei lá. A infinidade de lâmpadas vibrantes, quentes e coloridas me fazem sentir como se estivesse em uma discoteca em 1977. A clientela é seleta, sofisticada. Ando em direção a uma cabine isolada. Sentado com duas mulheres está meu contato, um colega e cinéfilo ucraniano. Quando me vê, nenhuma palavra é trocada; ele pede licença às mulheres e me segue até o lado de fora.

"Aqui estão, cinco filmes do Soderbergh", diz ele, me entregando um pedaço de papel.

"Vou assistir todos em duas semanas."

"Cada dia que passa, você perde 10 seguidores."

"Ok. Uma semana."

Seguimos caminhos separados, sem despedidas — espiões nunca dizem adeus.

Perder seguidores é fatal no meu ramo de negócio, então tenho um trabalho difícil pela frente. Hora de voltar para casa e colocar a mão na massa.

Quando entro no meu apartamento, fico enojado. Como eu vivo desse jeito? Preciso de uma reforma completa. Não quero mais essa iluminação suspensa, só pequenas luminárias douradas e quentes. Minha mesa furreca tem que sair, preciso de uma daquelas grandes de madeira, como a dos Woodhouse. Agora que vi uma, fiquei convencido de que é a única maneira de jantar com estilo.

Após jantar curry com um pouco de soro da verdade (uísque), encosto no sofá, observo a lista e começo a assistir ao primeiro filme: Onze Homens e Um Segredo. Isso me lembra que Steven Soderbergh sempre teve um talento impecável para moda nos filmes — Código Preto é só a iteração mais recente de suas histórias inteligentes e estilosas.

Na manhã seguinte, vou para a Savile Row, uma rua londrina famosa pela alfaiataria masculina. As lojas abrem cedo, então espero — um espião sempre chega cedo. Sou o primeiro na Dunhill e procuro trajes exatamente como os de Woodhouse. Embora a gola rolê seja sua marca registrada, meu foco é seu traje secundário. Galochas, uma jaqueta prática para atividades ao ar livre e uma boina. O conjunto estoura o limite do meu cartão de crédito, mas compro sem pensar duas vezes. Se é para ser um espião, vou fazer do jeito certo.

No metrô para o trabalho, assisto ao segundo filme da lista: O Segredo de Berlim. Um filme relativamente médio, mas que também tem Soderbergh e Cate Blanchett trabalhando juntos, como Código Preto. Ele é uma homenagem aos noirs dos anos 1940, assim como Código Preto remete aos clássicos de James Bond e ao Agente da UNCLE original.

Chego no trabalho e me sento. Minha agenda está lotada e preciso me lembrar de manter minha nova personalidade de espião. Enquanto digito um novo artigo, meu chefe chega. Ele está vestindo um terno cinza de três peças, excepcionalmente cortado e bem passado — uma novidade para ele. Trocamos algumas gentilezas matinais.

"Você está diferente", digo.

"Você também."

"Você assistiu Código Preto ontem?"

Por um momento, ele não responde, só me olha, desconfiado.

"Não posso falar sobre a ontem, estava em um trabalho secreto. Clandestino. Ultrassecreto."

"Entendo."

Ele sai para seu escritório de vidro, bate na mesa e o vidro fica opaco. Ele está comprometido, dá para ver. Meu único questionamento é se o resto do escritório também já mudou de lado.

Na hora do almoço, vou até a sala de meditação para assistir ao terceiro filme da lista. Meu tempo é limitado, então terei que improvisar: O Desinformante! Sabendo que tenho menos de uma hora, coloco na velocidade 2x. Matt Damon está falando mais rápido do que eu depois da segunda xícara de café. Fico aumentando e diminuindo o zoom para visualizar totalmente a mise-en-scène. Decido ativar as legendas para poder compreender tudo no meu curto espaço de tempo. Estou começando a transpirar. E se o cara da TI chegar e precisar de espaço para sua oração diária? Não posso pensar nisso agora. Meus seguidores dependem disso.

Apesar de ter visto o filme em condições longes do ideal, sinto que peguei a essência. Um homem aparentemente normal faz algumas coisas obscuras, semelhantes aos personagens de Código Preto. Ao sair da sala de meditação, vejo o cara do TI andando pelo corredor, meu timing é impecável. Será que sou realmente um bom espião? Agora não é hora de inflar meu próprio ego, tenho mais o que fazer.

Finalmente, chegamos ao fim de semana. Com minha roupa da Dunhill de preço exorbitante, pego um Uber até o lago mais próximo (que não fica nada perto). Na costa, encontro um barco a remo abandonado. Com certeza vai servir. Pego minha vara de pescar e entro na água. É um lugar tranquilo, onde um cara (espião) pode pensar. Coloquei um pedaço de pepperoni no anzol e joguei na água. Enquanto espero por uma mordida, pego minha lista e a analiso: já risquei quatro dos títulos, a missão está quase concluída. Olho para o título final e, espera, o que é isso? Código Preto? Mas eu já vi esse! Ele é simplesmente a inspiração deste momento de pesca. Preciso voltar à costa e estabelecer contato com o ucraniano. Assim que esse pensamento passa pela minha cabeça, minha linha puxa e forma um arco. Pego a vara e tento controlá-la. Meu coração bate mais rápido que o de Woodhouse na cena da reunião secreta!

Eu luto, puxo, cambaleio. Vejo a presa saltar da água, com as barbatanas balançando loucamente. Finalmente consigo puxá-lo e então me lembro que nunca peguei um peixe. O anzol está profundamente enfiado nas guelras da truta. A água está encharcando minha roupa cara. Tento agarrar o peixe pela boca, mas ele me morde. Eu recuo e meus dedos começam a sangrar. Estou oficialmente em pânico. O que Woodhouse faria? Tomo coragem, enfio os dedos na boca do peixe e arranco o anzol da guelra. Naquele momento, perco o controle do peixe e ele mergulha de volta no lago. Exausto e com a roupa arruinada, remo de volta à costa.

Já no carro, tento ligar para meu contato ucraniano, mas ninguém atende. Só quando volto para a cidade é que descubro o que aconteceu. Ele estava bebendo vinho em seu solário quando caiu no chão tendo convulsões. Sua esposa veio correndo para ajudar, mas já era tarde demais, estava morto. Quando liguei para ela, ela me contou sobre o plano deles de assistir High Flying Bird naquela noite.

Obviamente, alguém não queria que eu visse todos esses filmes do Soderbergh. Como não conseguiram chegar até mim, foram atrás do meu contato. Sinto o luto crescendo dentro de mim. Espiões nunca dizem adeus. Ergo a cabeça, crio coragem e começo a me perguntar quem cometeu essa atrocidade. Eles não sabem que eu já vi Código Preto. Ou sabem?

Quando chego ao escritório na segunda-feira, meu chefe, em outro terno impecável, está comendo comida japonesa em sua mesa. Ele me chama. Será que serei demitido? Ele notou minha queda no número de seguidores? Está se perguntando quem matou nossa conexão ucraniana?

"Você terminou a lista?"

“Que lista?”

Há uma pausa, ele pega um pedaço de peixe com o hashi e coloca na boca.

“Esses filmes de Soderbergh nas mãos erradas são perigosos.”

Eu puxo minha gola rolê. De repente esquentou aqui?

“Qualquer coisa pelos seguidores”, respondo. "Você ficou sabendo do —"

"Fiquei. Uma pena, de fato. É um trabalho perigoso."

"Muito."

Nós trocamos um sorriso malicioso. Nenhum de nós confia no outro, mas pelo menos estamos elegantes.

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